Vamos dançar?

Decorria Outubro, talvez a sua segunda semana, quando, ao deambular pela baixa portuense, junto aos Aliados, sou abordada por uma jovem, empática, que me oferece um flyer, bastante apelativo, um acesso, direto, e gratuito, a uma aula experimental de dança, numa escola ali perto, sediada na Trindade. Agradeci-lhe, convicta que, de facto, ainda, há acasos, oportunos, ou felizes. Sempre desejara compreendê-la, vivenciá-la, testá-la, a ponto de me conhecer, ler, ser, nela.

Regressa a casa, guardei-o, quase religiosamente.

2016 chegara. Voraz, e esfuziante, como o tempo. Na altura, trabalhando, a full-time, num cal center, sem folgas rotativas, e fins-de-semana, não conseguia usufruir, a belo prazer, de horas livres, dias de descanso serviam-me para organizar os seguintes e recuperar energias. Porém, e curiosamente, tal ambiente, embora rotineiro, e desgastante, aproximava-me, cada vez mais, de uma pessoa, pelo horário, pela experiência, partilha, e cumplicidade, já, criadas. Desde então, saboreámo-nos, em nossos, novos, mágicos, únicos, intensos, memoráveis, momentos, acompanhámo-nos, ajudámo-nos, apaixonámo-nos, em todos, o desafiava, Dançamos? Por ti, e contigo, dizia-me. Janeiro, devolve-nos, sobretudo, à resiliência, saímos da empresa e traçámos caminhos díspares, apesar de amigos. Apesar de amigos, não mais nos (re)vimos.

Em Julho, gozando de outra agenda, decido-me a procurar o local para o qual fora convidada. De metro, folheto, dobrado, na carteira, roupa fresca, prática, calças ajustáveis, em diversos diversos, rosa, azul, e preto, top, e óculos da mesma cor, ao som da música presente na playlist do telemóvel, viajo para a Invicta. Mal saio da estação, opto pela via da esquerda, a da farmácia, e sigo a trautear a Canção, a do Engate, do fantástico, e visionário, António Variações. Ultrapassa-me um homem com Com licença cuja voz, e figuras, reconheço, de imediato, mesmo de costas. Desvio-me, respondendo-lhe Olha ele, este, surpreso, vira-se, pára e riposta Babe? És tu? Mesmo? e eu Sim, a Ana, sim, prossegue, Quem diria que, ao final de cinco meses, te iria encontrar na minha rua, à minha porta?, sorrio, Procuro-a, e entrego-lhe o panfleto. Apercebemo-nos de que se situava do lado oposto e que estava fechada, por ser Domingo, Vamos atravessar para aquele passeio?, propôs, acedi. Ali permanecemos, incólumes, serenos, livres, sensivelmente uma hora, primeiro, frente a frente, a escutar-nos, depois, abraçados, entretanto, entrelaçados, indiferentes ao vaivém dos transeuntes que connosco se cruzavam. És, continuas, tão, bonita! Deixa-me tirar-te os óculos e ver-te, mais, melhor, Posso beijar-te? Queres subir? Um chá? Um chichizinho?, ouviu-se, e nunca uma urina me pareceu mais aliciante.

Que esta pista, hoje por mim estreada, nos abra, e traga, também, passos, firmes, constantes, ritmados, capazes, o espectáculo, como sabe, prevalece, aqui, ao sábado, consigo, connosco, a esta hora. Assim, o, espero.