Vampyr – Sangue e Consequências (Review)

Londres, 1918. A Primeira Guerra Mundial está no seu epílogo sangrento, mas uma nova ameaça silenciosa junta-se à desgraça e alastra-se por todo o Mundo. A Gripe Espanhola vitima, pelos números menos animadores, 5% da população mundial, cobrindo a Europa num novo fantasma que em muito agrava a situação precária vivida nos quatro anos anteriores. Este é um clima perfeito para o novo videojogo da DONTNOD Entertainment, Vampyr. E que melhor era para juntar a capital inglesa, o final da guerra, e a Gripe Espanhola, ao vampirismo!

Jonathan Reid, um médico reconhecido pelos seus avanços médicos na área das transfusões de sangue, regressa a Londres depois de servir na ainda activa Grande Guerra. Atacado por um inimigo desconhecido acorda de um coma numa pilha de corpos, pilha essa daqueles que morreram em Londres devido ao surto de influenza. Mas a sua série de desgraças está apenas a começar. Na sua sede por sangue, renascido como vampiro, mata involuntariamente a sua irmã, que o procurava no meio dos cadáveres. Assim começa uma crise de Humanidade, numa cidade destroçada pela guerra e pela doença. É uma história de redenção ou completo descontrolo, que depende das acções do jogador, talvez com o mesmo ou maior impacto do que o outro pilar da DONTNOD Entertainment, Life is Strange.  Com uma história que se estende por 7 capítulos, e pelas side quests que vão revelando a precariedade da condição humana, e os podres de muitos dos habitantes da cidade, Vampyr não perde tempo a estabelecer crises de moralidade, e tem para ajudar um mundo construído com cuidado, embora compactado nas suas próprias limitações.

A Londres de Jonathan, o protagonista do videojogo, está cheia de histórias dignas de um qualquer penny dreadful, ressuscitando o ambiente pós-victoriano, com um pé no Dracula da Bram Stocker, e outro na mais recente Anne Rice, de Entrevista com o Vampiro. A sua construção, replica uma era perdida, e a sua noite perpetua abre espaço a um dos pontos mais positivos do jogo, a luminosidade doentia e febril popularizada pelo cinema. Não é, de forma alguma, um dos maiores mapas algumas vez encontrados, mas prova que nem sempre mais significa qualidade.

Visualmente, o jogo apresenta alguns pontos menos bons. Acusa a sua natureza mais indie, com modelos um pouco aquém do que seria esperado e, nem mesmo os principais actores escapam ao escrutino dos piores críticos. É a narrativa que equilibra Vampyr, e os elementos nela que se cruzam com a jogabilidade. A necessidade de conhecer os habitantes de Londres torna o jogo num lento mas admirável RPG. Podemos comparar as mecânicas exploradas a um chef que prepara a sua refeição. Jonathan vai dialogando e descobrindo pequenas pistas, que pode usar para confrontar outros habitantes. Esse conhecimento das personagens, e a eventual resolução dos seus problemas aumenta a qualidade do seu sangue. E quando a relação é estabelecida no máximo da sua capacidade, o protagonista pode matar estes intervenientes ganhando assim preciosa experiência, ou neste caso sangue, que pode usar na árvore de habilidades. Jogar pacificamente, sem matar nenhum dos habitantes desta Londres, resulta num late game mais complicado, com inúmeros upgrades de habilidades que ficarão por descobrir, mas sem que o progresso deixe de ser justo ou fazível.

Os sistema de habilidades está longe de ser complexo. Cada habilidade ramifica para duas opções que, normalmente são em termos decisivos, a diferença entre maior duração e menor dano, ou vice versa. Algumas destas skills são até bastante originais e podem fazer a diferença. Mas depois de alguma experiência e comparação torna-se claro que só algumas são definitivamente necessárias para levar os combates a bom porto. Por exemplo, a discrepância de dano e utilidade situacional dos três ultimates disponíveis é horripilante e não causa qualquer dúvida sobre qual escolher.

E seria inevitável falar de habilidade sem falar de jogabilidade, e principalmente de combate. Infelizmente, não pelos melhore motivos. Há certamente inspiração recente, especialmente para quem jogou The Witcher 3: Wild Hunt. O gigante da CDProjekt RED tinha com ele um orçamento de um jogo AAA, e mesmo assim foi alvo de algumas criticas pela suposta simplicidade, o que não era obrigatoriamente verdade. Vampyr é bem mais simples, e por vezes envolto em alguma injustiça que prejudica o jogador devido a fraca execução. O sistema de lock no inimigo, especialmente em batalhas com vários inimigos, estorva mais do que ajuda. As mudanças de câmara são péssimas, e a posição da mesma não permite que possamos ter noção espacial mínima dos inimigos que estão na retaguarda, ou até a localização de paredes ou objectos. O sistema de combate vive também da habitual trilogia: health, stamina, e mana (neste caso blood). Em Vampyr o pior inimigo é mesmo a stamina porque cada movimento ou ataque esgota este resource deixando Jonathan incapaz de se movimentar. É um twist que torna algumas situações numa cena digna de Dark Souls, e que no caso de Vampyr simplifica e arruína ainda mais o sistema implementado.

Claro, não deixa de ser gratificante atacar um adversário e ingerir parte do seu sangue, ou defrontar um boss com dinâmicas próprias. Jonathan tem ao seu dispor um arsenal de armas que vai encontrando durante a aventura. Algumas dão dano directo, outras tiram defesas ao adversário, que podem ser exploradas para um crítico ataque directo ao pescoço, especialmente útil quando a reserva de sangue se esgota no meio de tantas habilidades. De caçadeiras a serras de médico bem ao estilo da época, Vampyr tem ainda um rudimentar sistema de crafting, que vive de materiais tirados a inimigos. Cada upgrade de uma arma representa também uma oportunidade para aumentar o dano, ou aprimorar uma capacidade especifica da arma, no caso da serra médica, a capacidade de tirar sangue aos inimigos por cada hit.

Fora de combate, Vampyr busca também inspiração em títulos recentes. Vampire senses, bem que podiam ser witcher senses, ajudando Jonathan Reid a encontrar a tonalidade vermelha do sangue em qualquer local do crime. Infelizmente a vertente de detective está pouco explorada, e é também pouco usada. É a narrativa e as personagens únicas que de facto servem como ponto redentor para o jogo. O verdadeiro jogo de detectives está nas interacções com as mesmas e, todos estes diálogos, por mais pequenas que sejam, oferecem experiência e pequenas histórias.

Os ciclos nocturnos são também a única maneira de evoluir a personagem e gastar a experiência adquirida. Para isso é preciso visitar um ponto seguro, para que Jonathan possa evoluir. Gastar experiência força o fim da noite, passando para a próxima, o que pode trazer novos problemas. Normalmente alguns londrinos ficam doentes, e é necessário criar curas que devem ser dadas a estes NPCs, de forma  manter a qualidade do seu sangue, e eventualmente evitar que morram, ou mantendo os mesmos vivos tempo suficiente para serem parte do banquete. A saúde de cada distrito da cidade depende directamente da saúde da população do mesmo. Escolhas na história podem influenciar para sempre a saúde de um distrito. Combater a corrupção num distrito em específico pode culminar com o afastamento, ou morte de uma das pessoas centrais para a estabilidade do mesmo.

A banda sonora vibra com o contributo de Olivier Deriviere. Alguns temas ficarão no ouvido, e transmitem a decadência desta Londres alternativa de 1918, onde a história e a ficção caminham lado a lado. O compositor já tinha trabalhado em Remember Me, o videojogo que trouxe a DONTNOD Entertainment parta a ribalta.

Vampyr desenvolve muitos dos seus aspectos de forma mediana, mas é na sua história e dinâmicas sociais que, de facto, brilha sem nunca dar a impressão de atingir o seu verdadeiro potencial. A forma como a narrativa se desenvolve de forma satisfatória, e a opções com consequências visíveis, compensam pelo combate desinspirado, e por algumas falhas visuais. Há sem dúvida oportunidades para jogar novamente de toda uma outra forma, mas se o objectivo é viver um RPG cheio de acção, é melhor poupar os 40 euros. Ou o investimento é feito na ambiência e na história, ou o desapontamento pode levar a uma aventura atribulada cheia de suspiros. Não é de nenhuma forma um sucessor espiritual de Vampire The Masquerade: Bloodlines, mas acerta nas aspirações de qualquer Toreador, e no ódio de qualquer Gangrel. Aconselha-se uma compra cautelosa, para jogadores com gostos mais direccionados para a narrativa.

Voltarei em breve com mais videojogos…