Para onde vão os nossos silêncios ?

Para onde vão os nossos silêncios quando deixamos de dizer aquilo que sentimos? O que pensamos?

Perdem-se para sempre ou, em algum recanto do universo, fazem eco e regressam a nós, como um boomerang, para nos relembrar da nossa própria essência?
E o nosso direito a esse mesmo silêncio e a não sermos bombardeados pelas palavras dos outros ? Porque há palavras que são só nossas – e silêncios também. Não queremos partilhá-los com ninguém. Pertencem-nos.

Depois de uma hora num café com um jornalista amigo, fui apresentada a um velho senhor dos seus contactos e fruições, estando os três em conversa amena, a uma mesa de uma pastelaria de bairro, na cidade. Conversámos sobre Angola, sobre livros e cultura, sobre o meu pai, o meu tio falecido há pouco tempo – pouco mais de uma semana – e vieram memórias dos tempos em que com ele coabitei. Memórias da casa dos meus pais. Dos livros. Dos tempos em que eu era criança e adolescente.

E então foi-me colocada uma questão: que me lembrava eu do 25 de Abril. O senhor mais velho – que fora militar – queria saber o que recordava eu deste dia histórico para Portugal. E respondi-lhe que as minhas memórias eram enevoadas. Era muito nova. Não sabia sequer o que tinha sido o fascismo, o Estado Novo.

Muito zangado, o velho senhor respondeu-me que nunca houvera fascismo. Que estávamos muito melhor no tempo de Salazar. Eu hoje podia ser até alemã (!!!) se Hitler tivesse ganho a guerra. Que se pudesse, teria morto todos aqueles que contribuíram para o 25 de Abril. Acrescentou ainda que não era Salazarista mas sim adepto de Hitler – porque o povo precisava mesmo era de pancada. Falei-lhe então na liberdade. Disse-me que era tudo “treta”. Que nunca precisou de mais liberdade do que aquela que teve. Então, a partir desse momento, decidi-me pelo silêncio. Não tive vontade sequer de ripostar. De dizer uma só palavra.

outofafrica

Eu que tive – e tenho – liberdade de lhe responder, escolhi o silêncio performativo do não.

E percebi a urgência de escrever. De escrever seriamente. Muito. Sempre. Talvez porque quando estamos por longo tempo longe do país onde nascemos e regressamos, frequentemente sentimos estranheza ao tentar encontrar o que aqui deixámos. Contudo, tudo o que aqui deixámos, também mudou e por isso nada está igual ao que era. E então interrogamos-nos: será que esta é mesmo a nossa casa? Ou apenas uma incomensurável nostalgia por coisas e pessoas que eram e deixaram de ser ?

A conversa tornou-se um monólogo que acabou por se despenhar fatalmente…Olhe, os senhores estão a fechar o café. Se calhar é hora de partir….

Devagarinho, aos poucos, vai-se instalando uma normalidade – ainda assim anormal – e a cada dia que passa se cresce um pouco mais com as lições aprendidas. Pela minha parte, deixei há muito de me sentir em casa desde que aqui cheguei. Mas continuo com encantamentos. No dia em que me desencantar com a vida, é porque morri.

De resto, os silêncios daquilo que não digo – mas penso e sinto – para onde vão? Há perguntas que dificilmente encontram resposta. Mas os silêncios calados na garganta  – não por falta de liberdade, mas por opção – …onde ficam? para onde vão?

Relembro aqui Marina Abramovi e a sua performance no MoMA, The Artist is present, (2010) em que várias pessoas foram convidadas a sentar-se em frente de Marina e ficar em silêncio durante algum tempo. O silêncio é poderoso. E complicado de manter. Esta exposição ficou mais conhecida pela presença de Ulay, um antigo companheiro de Abramovi – sendo que ambos não se viam há cerca de 40 anos. Reencontraram-se em 2010, numa emocionante manifestação de silêncio. A (re)ver!