Vejo-me nua em frente ao espelho e choro, choro descontroladamente e desalmadamente, as lágrimas de comiseração caem desamparadas no meu rosto cansado e frágil e infeliz, eu sinto que não aguento mais. Olho bem para mim, de uma forma tão lasciva que me envergonho de mim própria, quem tu pensas que és para te achares bonita? Que espécie de mulher és tu que te dominas com prazer? E choro, choro infinitamente. Sou um fracasso, desde o alto da minha cabeça agora enlouquecida até aos meus pés dormentes do cansaço. A minha barriga deformada, outrora preenchida de amor e ansiedade, agora um mar de preocupações intermináveis, as pernas fatigadas das horas de trabalho, dilatadas da minha inércia física, o peito disforme e carente, olho bem para mim e choro, choro e prendo o som agonizante com as minhas mãos, aprendo a chorar sem som porque eu não quero que ninguém me ouça. As mãos já enrugadas do esforço laboral, as unhas que se quebram, os braços balofos e flácidos provocam em mim um repúdio do que vejo em frente ao espelho. Olho para a minha vagina e relembro a minha infância, mas que merda se passou comigo? A virgindade, a adolescência, os partos, os filhos, a noção de que o tempo do meu corpo foge dos meus dedos e que jamais o conseguirei recuperar. Tanto prazer que eu tinha comigo mesma, o simples regozijar de um orgasmo tornava o meu sorriso tímido numa valente descarada. Tenho saudades da mulher que eu era. Olho para mim com desolação e choro, choro ferozmente, tenho vontade de gritar, correr pela rua nua e gritar que não aguento mais. O meu cabelo, farta cabeleira que empobrece de dia para dia sem que eu nada possa fazer, herdei da genética muito mais que a miséria. Olho por fim para o meu rosto, última batalha neste percurso infernal e destrutivo. Olho para mim e choro, as lágrimas não cessam e não há sorriso que disfarce esta tristeza tão pouco metódica. Os olhos tristes, as olheiras enormes, o rosto inchado que demonstram as noites mal dormidas nos últimos meses, tantos que perdi a conta…o meu nariz conta uma historia, os meus lábios suaves e amargos, contrariados pelo beijo que nunca mais terei. Chega a ser cruel gostarmos tão pouco de nós próprios. Onde anda a mulher que se fascinava com o seu corpo imperfeito mas saudável? Em que dia da minha vida ficou a mulher que se via ao espelho após umas horas de prazer sexual e se achava tão bonita e sensual? Em qual dos episódios dramáticos eu deixei de ser a mulher que eu queria realmente ser? Vejo-me nua, cansada, magoada, prostrada, fraca, em frente ao espelho que não detém esta comoção violenta, quem diria que as lágrimas não teriam finitude? Choro, choro tanto que me falta o ar…este descontentamento que quase me afoga de angústia. Os minutos que se transformam em horas, um monólogo que revela toda a fragilidade do meu ser, toda a minha intimidade, todo o meu corpo carente de sedução, toda a minha identidade é exposta, o espelho é o meu público e este não me aplaude, apenas avalia, critica, julga, ofende. Eu não aguento mais. Vejo-me nua em frente ao espelho e choro…um dia o espelho quebrou.
Não chores o corpo, lembra-te antes dos muitos prazeres que me deste.
Nem sei o que dizer, mais uma das tuas melhores crônicas. “Não chores o corpo, lembra-te antes o prazer que me deste’
Olá Carlos. Obrigada. Concordo contigo, acho que foi um dos melhores textos que já escrevi até hoje. Obrigada por seres um leitor assíduo. Cumprimentos.