Vem Tuk Tuk avec moi

Havia lá coisa pior do que circular num Tuk Tuk guiado pelo inexperiente rapaz que de segunda a sexta andava numa motoretazeca de pedais a entregar pizas e para juntar um dinheirinho extra ao ordenado, tanto estava ali a servir de guia aos turistas que acorriam a comprar ovos-moles, como podia ter arranjado um part-time de quatro horas num call center ao fim-de-semana!iro  A

Era como fazia o Dinis, de vinte anos, que conduzia um daqueles triciclos com motor, fazendo alarde da sua perícia, atravessando a toda a brida todas as paralelas e perpendiculares à Dr. Lourenço Peixinho, em Aveiro, como se quisesse tornar-se, para visitantes nacionais e estrangeiros que solicitavam os seus serviços de transporte, numa atração ainda maior do que os braços da ria que inundavam a cidade ou as célebres gôndolas ao estilo veneziano em que eles, pagando uma mão-cheia de euros, os percorriam.

Acelerava a fundo, como se quem fugisse não conseguisse distanciar-se um milímetro, a não ser circulando àquela velocidade.

Conhecia bem, como às linhas da palma da mão, o traçado de todas as ruas e avenidas que desembocavam ora na fábrica dos tradicionais ovos-moles, ora no cais de embarque das gôndolas a paredes-meias com o grande canal, dos mais requisitados pontos de atração turística à estação ferroviária da CP, de onde quem queria viajar em segurança podia apanhar um comboio que o levasse, por exemplo, ao Porto.

Guiava o Tuk Tuk com igual desatenção à de um turista que visitasse pela primeira vez a cidade e pasmado com o que via, subisse e descesse passeios, andasse em contramão ou, se fosse a pé, tropeçasse em quem por ali andava há mais tempo e não precisava de parar para mirar as coisas e quase apalpá-las, para ter a certeza de que eram verdade.

Meio a brincar, costuma afirmar que o que faltava a Veneza para chegar aos calcanhares da cidade portuguesa da beira-ria, era haver uma placa de direção a indicar, à saída da localidade, que estava a pouco mais de cinquenta quilómetros de Espinho, sua terra-natal e autêntico lugar de eleição.

De resto, numa ocasião das férias em que fora a Itália e visitara a cidade celebrizada pelos canais, veio animado a pensar que era possível compor uma versão pop das árias de ópera que ouviu, após ouvi-las interpretadas, à sua maneira, pelos condutores das gôndolas que as entoavam enquanto subiam e desciam o grande canal como se estivessem a promover uma sua apresentação noturna numa casa de espetáculos a sério.

Pensou em que as mesmas pessoas que iam a Aveiro, podiam deslocar-se a espinho, caso em lugar dos ovos-moles à sobremesa, preferissem o famoso pão-de-ló de lá, que era a especialidade caseira das cercanias daquela terra piscatória. Escusado será dizer que era mesmo o seu bolo favorito e de tal forma o Dinis era entendido acerca de todos os passos da sua confeção, que em relação às quantidades descritas na receita original, se mostrava queixoso do açúcar a menos que a namorada usava ao prepará-lo, como se não quisesse vê-lo disputar com milhões de beijos e abraços, o título da coisa mais doce que todos os dias lhe dava.

Dinis respondera sem hesitar ao anúncio retirado da net em que pediam um rapaz habilitado a conduzir um Tuk Tuk, o qual imprimiu e rasurou a fim de corrigi-lo, porque vinha escrito com termos inapropriados e repleto de erros ortográficos.

Emendou o termo mota, conferindo mais dignidade ao detentor da carta de moto, necessária à condução do veículo, que viesse a usá-lo. Cumprindo os preceitos do Novo Acordo Ortográfico, acrescentou a consoante c à palavra característica e eliminou-a em caráter, depois substituiu pelo u o o de visoal e corrigiu a caneta vermelha a expressão “conhecedor da baixa da cidade”, por “ profundo conhecedor da cidade e toda a região envolvente”, o que lhe conferiria vantagem sobre qualquer outro candidato. Se pudesse, trocaria a parte de “disponível para horários flexíveis” por “exclusividade de horário entre as dez e as quinze”, para antes de ir trabalhar poder dormir à vontade e, à tarde, quando regressasse a casa, ter tempo de sobra para ir ao facebook trocar mensagens com os amigas e descansar antes de jantar e ir ter com a namorada.

Telefonou para o número que lá vinha atendeu uma voz masculina que extravasava impaciência e provavelmente não toleraria que lhe perguntasse a razão.

Combinaram um encontro e acertaram detalhes, como o do ordenado, à tarde, quando o patrão apresentou Dinis aos novos colegas e quis saber em que dia ele estava disposto a começar. À sua falta de experiência na função de levar turistas, contrapusera o rapaz com uma vontade férrea de aprender e se tão bem ele se adaptara, no trânsito da baixa em hora de ponta, a conduzir um motociclo que se fosse seu poria à venda no chinês mais perto por cem yuan, mais facilmente aprenderia a conduzir uma trotinete de três rodas e conseguiria não cair entrando nas curvas a maior velocidade, só não surpreendendo quem ao princípio nem acreditava que ele soubesse equilibrar-se sem tirar os pés do chão e agora devia estar à espera de, no mínimo, vê-lo voar.

Era amarelo, cor dos antigos elétricos da Carris, o seu Tuk Tuk, com letras na lateral de um lado, castanhas e, do outro, verdes, com frases alusivas ao nome da empresa e a publicitar o ramo de atividade a que se dedicava. Tinha um endereço de email e números de telefone ao lado do logotipo da firma, que mostrava um cavalo alado, com ar de ser de porcelana, parado em cima das águas calmas da ria, rodeado de ovinhos-moles que choviam de todos os lados como se fossem farrapos de neve caindo do céu.

Tinha somente dois pedais. Um que acelerava desmesuradamente, que a quem o via quase levantar voo, dava a impressão de dar ao cavalo, um par de asas adicionais. E outro que servia de travão, para, antes que os cavalos de ambos os lados se cansassem, ele poder parar onde os clientes pedissem para desentorpecerem as pernas de irem encolhidas, por causa do medo, como se tivessem os pés enfiados num par de estribos.

Claro que viajar nestas condições chegava a ser excitante, contudo, só caía na asneira de repetir essa que era na maioria dos casos uma desagradável experiência, quem mesmo não tendo ao seu alcance outro meio de locomoção, não optava por ir a pé, já que mesmo seguindo tranquilamente no passeio, a qualquer altura Dinis podia surgir-lhe pela frente, inesperado como um relâmpago, e pregar-lhe um valente susto.