Viagem ao passado em busca da felicidade suprema – Bruno Neves

O que é, afinal, a felicidade suprema? Lutamos por ela durante toda a vida. É um dos maiores objectivos de toda a humanidade, no entanto apenas uma curta percentagem assume que a atingiu pelo menos uma vez em toda a sua vida. Será a felicidade, tal como a perfeição, algo inatingível? Pois eu tenho a dizer que me sinto abençoado, pois ao olhar para trás e rever tudo aquilo que já vivi posso dizer que já atingi várias vezes a felicidade suprema. E todos vocês também já a atingiram, só que não o admitem. Todos buscamos a perfeição total. Se determinado momento é razoável, devia de ser bom. E se é bom, tinha por obrigação ser perfeito. E enquanto pedimos e buscamos mais e mais e mais não aproveitamos o presente. Obviamente que também eu me insiro neste lote, porque como humano que sou estou longe da perfeição.

Tenho apenas vinte e três anos, quase vinte e quatro. Espero que o destino tenha reservado muitos mais anos para mim e para os “meus”, mas e se tudo acabasse neste preciso momento…teria valido a pena? Com os olhos colocados na janela do comboio, presos à cativante paisagem do Ribatejo, tive esta conversa com o meu “eu” interior há não muito tempo. E fui automaticamente transportado para o passado. Foi como se o tempo tivesse parado. De repente não havia comboio. Nem outras pessoas. Deixei de ouvir os Daft Punk nos meus auscultadores.

Como que por magia esta conversa interior levou-me de volta para 1998. Olhei em redor e estava de regresso à minha velha casa, a primeira que conheci e na qual vivi durante largos anos. Decidi passear pela casa. Estava tudo como me lembrava e como mostram as fotografias da época. No meu quarto a cama de solteiro parece bem mais pequena do que me lembrava. A escrevaninha cheia de tralha (que na altura considerava preciosa). A velha Sega Mega Drive por debaixo da televisão. Os livros de colorir que amava tanto quanto um adulto pode amar outro ser humano espalhados pelo quarto.

No antigo quarto dos meus pais, aos pés da cama e vidrado na televisão lá estou eu. Pequeno e franzino. Sentado em pleno chão e com os olhos vidrados na caixinha mágica. Á minha volta está uma autêntica revolução: bonecos, livros de colorir, canetas de feltro, mais bonecos, lápis de cera e um jogo de tabuleiro. Fixo então o olhar na televisão e fico imediatamente conquistado: é a antiga RTP2 e os seus míticos desenhos animados. Cresci com eles. Via-os sempre que podia e fazia a minha vida em função deles. E por “minha vida” entenda-se ir à escola, fazer os trabalhos de casa e lanchar a meio da tarde.

Deu-me um ataque de nostalgia. Os meus olhos humedeceram e em segundos escorriam-me lágrimas pela face. Sentei-me na velha cama dos meus pais e soltei uma gargalhada que, felizmente, o meu pequeno “eu” não ouviu. Passados tantos anos a cama continuava a ranger, fazendo um som simultaneamente engraçado e assustador. Fixo novamente os olhos no televisor e relembro-me de todos aqueles serões passados naquele preciso local. A brincadeira de que mais gostava era a mais parva de todas. Pegar numa folha de papel e fazer dela uma bola. De seguida mandá-la para o ar tentando que a mesma passasse por dentro do cortinado que estava na janela. Por fim estender as mãos rente ao chão tentando adivinhar em qual das aberturas apareceria a dita bola. Hoje vejo a brincadeira como parva e desprovida de sentido, mas na altura era dos momentos que mais gostava no meu dia.

Começo a ouvir uma voz. Olhei em redor mas não percebi de onde vinha a dita voz. O meu pequeno “eu” continuava com o olhar preso na televisão e nem sequer se apercebeu da minha presença. Fecho os olhos por instantes. Quando volto a abrir os olhos estava novamente no comboio. “Próxima paragem: Azambuja” diz a senhora ao altifalante. Estava a chegar a casa. Nos auscultadores os Daft Punk continuavam a tocar, embora eu não lhes estivesse a ligar absolutamente nada. Levanto-me e saio do comboio rumo a casa. Mas no pensamento tenho ainda a “visita” a 1998.

Em 1998 havia tempo para brincar. Havia livros de colorir e canetas de feltro. Havia livros de banda desenhada. Havia o “Hugo”, a “Carrinha Mágica”, o “Dragonball Z”, a “Pantera Cor-de-rosa”, o “Mickey”, as “Tartarugas Ninjas”, os “Power Rangers” e tantos outros que dominavam os meus dias. Havia a mesa de madeira onde fazia os trabalhos de casa e na qual escrevia e fazia desenhos (para horror da minha mãe claro está). Havia o quintal no qual passava horas a fio a jogar à bola e onde marquei golos épicos em jogos onde era o único jogador em campo. Havia inocência. Havia pureza. Havia sonhos e ilusões. Havia a pressa de crescer, de ser adulto e de viver o mais possível. Queria mais e melhor. Queria viajar, ver o mundo e depois regressar novamente para o conforto do meu lar.

Em 2014 ainda há pureza, apesar das tentativas diárias da sociedade em conspurcá-la. A inocência ficou lá atrás, perdida num passado que não sei precisar. Já não há tempo para brincar nem para ver desenhos animados. Por me permitir chegar à universidade o autocarro passou a ser a única “Carrinha Mágica” da minha vida. Hugo voltou a ser apenas um nome banal. Ratos que falam, tartarugas que sabem artes marciais, seres de outros planetas que têm super-poderes, indivíduos em fatos de licra e com poderes a lutar contra o mal ou panteras de outras cores que não as ditadas pela mãe natureza não passam de vagas memórias do passado na mente atulhada de informação. O sonho ainda existe e existirá sempre. Assim como a pressa de viver, de ser mais e melhor. De ver o mundo para logo depois regressar a casa.

Feitas as contas é notório que em 98 era feliz. Claro que queria mais. E melhor. E mais rápido. Claro que queria crescer, fazer tudo aquilo que os adultos fazem e que nos é negado em criança. Mas esse sentimento não é negativo. Chama-se “ambição” e em quantidades razoáveis é uma qualidade e não um defeito.

Naquele tempo era feliz. Sem preocupações. Sem afazeres a não ser os da escola. Sem amarras criativas. É nos tempos de criança que está a nossa verdadeira essência. Tenho sempre presente o seguinte lema: “Sê em adulto alguém de quem o teu pequeno “eu” se orgulhasse”. E é por isso que luto. É isso que busco dia após dia: que por mais batalhas que a vida me faça enfrentar a derrota não me consuma e a vitória não me suba à cabeça. Que os pés se mantenham no chão e que a mente voe o mais alto possível.

Sejam exigentes, mas não em demasia. Aproveitem o presente e reconheçam que são felizes. Aquilo que verdadeiramente interessa é a vossa essência. Tudo é resto é passageiro e efémero. Tudo o resto é levado pelas ondas do destino.

Boa semana.
Boas leituras.

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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