A vida humana não tem preço!

Num país democrático todos os cidadãos devem respeitar as instituições que fazem parte do Estado, bem como as altas figuras do mesmo. Mas torna-se difícil ter respeito pela figura do actual Primeiro Ministro quando este diz que o Estado deve fazer tudo o que está ao seu alcance para salvar vidas humanas mas não custe o que custar. E se bem que alguns se esforcem a explicar que o que o chefe de Governo quis dizer foi que a escassez de verbas faz com que se tenha de fazer escolhas e racionalizar os gastos, afirmações desta natureza não podem ser consideradas simples falhas de comunicação ou palavras mal escolhidas. Estas afirmações são autênticas aberrações.

Aceito que, na saúde como noutras áreas, os gastos tenham de ser estudados e planeados, para evitar gastos supérfluos e inúteis, mas uma vida nunca pode ser assim considerada. “A vida humana é inviolável”, diz o número 1 do artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Não diz que a vida humana é inviolável, a não ser que o medicamento seja muito caro. O Estado tem que actuar quando em causa está a vida humana, ao mesmo tempo que negoceia com as farmacêuticas uma baixa de preço dos medicamentos para os restantes doentes que sofrem da mesma doença. Não pode deixar que os doentes morram porque a farmacêutica ainda não aceitou baixar o preço. A vida humana não tem preço!

Mas quando eu pensei que já tinha lido todas as aberrações possíveis, alguém escreve (provavelmente com as ideias ofuscadas pela sua militância politica) que as pessoas que têm maus hábitos devem pagar pelas doenças que os mesmos criaram e não o Estado. Em primeiro lugar, esta pessoa está a esquecer-se que o Estado somos todos nós. Depois, imagino a triagem hospitalar na cabeça desta pessoa:
– Boa tarde, eu vim cá a uma consulta porque soube recentemente que tenho cancro nos pulmões.
– O senhor é ou foi fumador?
– Fumei durante 30 anos mas depois parei.
– Com certeza. Quer passar já o cheque para o seu tratamento ou quer ir ali para aquela sala para morrer sem tratamento?
É violento, não é? Mas é isto que nos vem à cabeça quando ouvimos estas barbaridades.
E dirão vocês que, apesar de violento, em certa medida faz sentido, pois as pessoas devem promover a sua própria saúde e não o contrário. Sim, mas também as instituições do Estado devem agir, devem divulgar e fazer acções de consciencialização, para que todos entendam a importância de defender e promover a sua própria saúde. As instituições do Estado devem fazer ver à população, especialmente aos grupos de maior risco, a importância de cuidarem de si mesmos (e dos outros, claro), isto é, da prevenção, bem como dos cuidados de saúde primários. Os centros de saúde têm profissionais de saúde que estão lá para ajudar, mesmo quando não se está doente. Sim, leu bem! Os centros de saúde não servem só para quando se está doente. Têm um importante papel na prevenção da doença, na sensibilização para a adopção de atitudes mais saudáveis.

Mas os serviços só podem  cumprir estas  funções se dotados de meios. Porque, por muitos super profissionais de saúde que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) possa ter – e tem, senão já tinha caído com os ataques sofridos pelos vários governos, independentemente da sua cor politica – sem meios é quase impossível chegar a toda a gente. E enquanto os Primeiro Ministro achar que uma vida humana é dispensável por questões económicas, dificilmente o Governo de Portugal dotará o SNS de meios suficientes para servir condignamente os portugueses.

Crónica de João Cerveira