Vindima Mental Em Ato Único 2#

O corrupio dos dias segue com períodos de chuva fraca, vento forte e tendência para ondulação de grande escala. Durante a noite, enquanto sonho com a muralha da China, em vários planos sem esquecer a vista espacial, que em bom rigor é a que menos me importa, não fosse eu um gajo muito terra-a-terra, batem os pingos da chuva na janela, qual cliché, qual lembrança da ‘’Lágrima de Preta’’ de António Gedeão, sem se tratar só de água salgada, porque lá encontro vestígios de outras coisas, como comprova o relatório do meu laboratório auditivo, que tem tão de falível quanto de falido.

Nos intervalos do temporal, que podiam ser maiores e mais descanso me darem, seguem as ideias para a espécie de triagem, tipo instrospetiva, mas mais moderna, retro-hippie-casual-friday-chic, ou algo do género, sem olhar aos clássicos, ao vintage da moda que é bem mais belo que o homónimo ideológico, não fosse o risco de se transformar Auschwitz capital de novas tendências, de um eugenismo que serve de metáfora para a crise do mundo, que infelizmente também é nossa.

A selecção é natural, as boas ficam as más vão, num movimento mecanizado tipicamente taylorista, pois que se falhas as houver são culpa humana, se humanos lhes pudermos chamar, senão máquina viva, que vive do ar ou a viver dele se habitua.

Numa espécie de comboio de minas, minado pelo lixo mental, segue o cangalheiro pronto a cremar o que da mente pouco se aproveita, cuja cinza se esvai no que gosto de chamar de arquivo, espécie de jardim do Éden cerebral, cemitério de memórias, unicórnio feliz, filme de gaja ou machismo crónico.

As boas seguem em sentido inverso, prontas a virar mosto ‘’nos lagares do bom caminho’’, como cantava Carlos Paião no Festival de 1982, com Branca Flor, cujo fim todos conhecemos. São mexidas, cozinhadas, prontas a consumir, quer isto dizer falar, ou gritar que de gritos vive a razão. Peça a conta, pague à saída, política da casa…

Aqui não há adegas, porque as ideias querem-se é novas, ou reinventadas, sem pretensiosismos de tecnocracias, clientelismos e lobbies revisitados, embutidos no espectro do ‘’a luta continua’’, ‘’estamos fartos’’ ou ‘’connosco não cola’’, um quanto léxico filho de uma nota de dez contos, dessas que restam, e umas quantas larachas e filosofias de casa-de-banho, como ‘’eu sou o que sou, não o que acham’’ ou ‘’dos fracos não reza a história’’, de duvidosa eficiência. Eu cá, se ousasse fazê-lo, rematava com um ‘’Eu é que sei, ponto final!’’. Não há nada mais simples para enriquecer os bem-aventurados cujas religiões são eles próprios, esses, que são o seu próprio deus e comem o seu próprio livro sagrado. Blasfémia, monoteísmo perverso, narcisismo puro, feminismo moderado, tanga, lingerie e transformismo de rua. 

Este é o capítulo final, grande atuação, todos os atores em palco, está feita a colheita, fez-se o ensaio geral. Processados os processos precedentes, procede-se então à cena final, umas quantas gotas de suor, vítima de ensaio técnico, desce o pano, voltem sempre. ‘’Vindima Mental em Ato Único’’, sextas e sábados às nove, domingo grandioso matiné pela quatro…

‘’She loves you yeah yeah, She loves you yeah yeah…’’

Bom dia!