Vitória de Marine Le Pen, derrota da República

A vitória obtida pela Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen, em França, nas eleições regionais, foi esmagadora. Não tanto pelos números, pouco acima dos Republicanos do ex-presidente Sarkozy e do PS do actual Presidente Hollande, mas sobretudo pelo impacto brutal sobre todos aqueles que acreditam nos valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O medo agora impera como estratégia principal para convencer os franceses. A esquerda é uma das grandes derrotadas dessa noite eleitoral.

Esses valores republicanos foram seriamente abalados por esse resultado eleitoral que coloca a fascista Frente Nacional como o partido mais votado em França. Na segunda volta, mesmo que o resultado seja invertido e os franceses decidam votar nos outros partidos, da chamada “aliança republicana” (Republicanos e PS) , a Frente Nacional já veio impôr-se como actor incontornável da vida política francesa. Marine Le Pen será provavelmente, neste momento, a candidata melhor colocada para vencer as Presidenciais francesas de 2017.

E essa condição impensável há uns anos atrás é razão mais que suficiente para reflectir nos porquês da derrota estrondosa do centro-direita e do centro-esquerda, encabeçados respectivamente por Republicanos e PS. Para lá do medo, vou me centrar naquilo que a esquerda, grande derrota, deverá refectir.

Segundo algumas notícias avançadas pelos jornais gauleses, os jovens até aos 30 anos votaram em grande número nas listas da FN; ora, pensemos um pouco acerca das razões pelas quais esses jovens decidiram confiar o seu voto às listas desse partido racista e xenófobo: os jovens encontram desemprego, trabalho precário ou mal remunerado, e assim não têm condições para sair de casa dos pais, nem para se organizarem na sua independência. Quem lhes ofereceu essas (más) condições? Sarkozy, até 2012, e Hollande, até ao momento. Estes dois senhores, Sarkozy e Hollande, são os grandes responsáveis aos olhos dos jovens franceses pelas péssimas condições oferecidas em termos laborais e de qualidade de vida. Marine Le Pen cativa os jovens com um discurso que subreptíciamente consegue criticar os políticos no poder e convencer os votantes de que a solução estará na quebra o acordo de Schengen, na deportação de milhares de imigrantes ilegais e na luta que prometeu levar a cabo contra o Estado Islâmico.

Esse tipo de discurso anti-sistema de Marine Le Pen, e dos seus correligionários, atraiu a simpatia de jovens sem perspectivas de um bom futuro. E a esquerda, onde falhou? Porque motivo a esquerda à esquerda do PS do Presidente Hollande não conseguiu cativar os votos dessa juventude desamparada e descrente no futuro?

Para lançar esse debate, enuncio desde já a minha tese da má comunicação à esquerda. A esquerda francesa não tem conseguido passar a mensagem da maneira certa, pois tendo a mensagem certa (ainda que possa diferir consoante o partido em causa) possui a maneira errada de transmiti-la. Nesse ponto, a linguagem utilizada pelos líderes políticos não procura esclarecer os jovens e demais eleitores quanto aos seus objectivos de criação de emprego, acesso a saúde e direito a habitação. A FN, de uma forma superficial, dizendo de forma curta e sem muitas palavras aquilo que os jovens querem ouvir, mas ainda assim muito mais directa e objectiva, aborda os jovens numa linguagem que eles entendem, e tem sido essa a estratégia empreendida por Marine Le Pen. Talvez seja altura de os partidos à esquerda em França perceberem que a defesa dos direitos ao trabalho para os jovens seja tão importante como a protecção dos empregos dos sindicalizados; não é possível deixar de fora do discurso político à esquerda referências quanto aos problemas da juventude francesa, e deverá ser incluído no discurso político e nos programas políticos à esquerda ideias concretas quanto à criação de postos de trabalho estáveis e duradouros para cidadãos jovens.

A esquerda em França deve modernizar-se; deve adquirir uma linguagem mais acessível, mas também deve pensar em como convencer a juventude de que o voto na extrema-direita só trará confusão ao país e à sociedade, mais isolamento e menos perspectivas de um bom futuro.

A extrema-direita francesa está a criar um fenómeno de entropia na juventude francesa: neste momento, só a esquerda poderá responder perante a falta de condições criadas por Hollande para oferecer emprego, direitos e um futuro à população gaulesa até aos 35 anos.

No dia em que um partido de esquerda disser que se for governo criará emprego para todos os jovens desempregados e dará subsídios sociais, essa esquerda destrói a demagogia xenófoba e racista de Marine Le Pen e da FN. Porque as pessoas estão sedentas de acreditar em algo, e como não acreditam mais nos “vendedores de ilusões” Hollande e Sarkozy, agora foram derrotados. Urge derrotar a extrema-direita francesa, antes que seja essa mesma extrema-direita a derrotar a própria França.