E Viveram Felizes Para Sempre

“E Viveram Felizes Para Sempre” é, muito possivelmente, o maior cliché de todos. Entre livros, filmes e séries são milhares os que escolhem este modelo de final feliz para dar por encerrada a sua obra. Claro que nem todos usam literalmente a expressão “E Viveram Felizes Para Sempre”, mas torna-se bem visível que ela está implícita. E por cada entusiasta e defensor do “E Viveram Felizes Para Sempre” existem vinte detratores prontamente dispostos a saltar de um comboio em andamento para provar que não existe tal epíteto. O “Desnecessariamente Complicado” desta semana pergunta a si mesmo algo tão simples mas, simultaneamente, tão complexo: Afinal de contas o “E Viveram Felizes Para Sempre” existe ou não?

Este tema é tão abrangente que podia ser subdividido em várias crónicas. Por exemplo: uma delas podia muito bem ser dedicada apenas aos filmes de animação (estipulação onde a Disney é rainha e senhora sem qualquer discussão, obviamente). E é precisamente por aí que vamos começar. Sim, porque parte da magia do “E Viveram Felizes Para Sempre” reside, precisamente, aí: na infância. Claro que enquanto adultos continuamos a ver filmes de animação (e a chorar com eles, algo que tentamos esconder de todos os outros seres humanos, claro), contudo é na infância que esta magia se entranha na nossa pele. E por muito pouco sonhadores que sejamos em petizes é impossível não ambicionar uma vida perfeita. E parte dessa perfeição passa, sem dúvida, pela vida amorosa.

E uma vida amorosa perfeita é-nos “vendida” como? Casado ou, pelo menos, com namorada. Já repararam que um “E Viveram Felizes Para Sempre” nunca retrata outro cenário? Indirectamente aquilo que nos é dito é que é impossível ser completamente feliz desde que: estejamos sozinhos ou tenhamos ao nosso lado uma pessoa do outro sexo ou simplesmente muito mais nova ou mais velha do que nós. Resumindo: é como se a normalidade atraísse a felicidade (algo que, percebemos mais tarde, não podia estar mais longe da verdade). Contudo, com o desaparecimento da ingenuidade própria da infância começamos a apercebermo-nos de que existe todo um outro mundo, até certo ponto bem mais interessante, do que aquele que nos foi dado a conhecer.

Tenho para mim que o verdadeiro ponto de viragem emocional de qualquer ser humano é quando percebe que o cliché “E Viveram Felizes Para Sempre” pode ser…aquilo que ele quiser. Claro que pode ser um casamento duradouro. Mas também pode ser ficar sozinho. Ou adoptar uma criança em vez de ter filhos biológicos. Ou…tantas outras coisas (acho que já expliquei convenientemente o meu ponto de vista).

Contudo um “E Viveram Felizes Para Sempre” aplicado a uma relação amorosa estável, saudável e duradoura, que é o meu caso, continua a ser encarado como algo praticamente impossível de atingir. Ou pelo menos algo que só os nossos avós atingiram e que a evolução da humanidade tornou de impossível de nós, jovens adultos, encontrarmos. E em parte dou-lhes razão. Sim, porque amor sincero e verdadeiro não anda por aí aos pontapés (literalmente, mas disso falaremos daqui a pouco).

A maior mentira que, para mim, os filmes de animação e os contos de fadas protelaram não é o facto do “E Viveram Felizes Para Sempre” existir, mas sim o facto de tal ser…fácil. Já repararam que qualquer um dos “casais modelo” da nossa infância apenas tem momentos felizes? Já repararam que nunca vemos uma discussão, um desentendimento, uma dificuldade? Já repararam que tudo o que existe são mal-entendidos da autoria de terceiros (claramente invejosos com a felicidade do casal) e nunca erros dos próprios? Se não tinham reparado agora vão passar a reparar.

A ilusão da perfeição não é o facto de se poder ser feliz mas sim o facto dessa perfeição não dar qualquer trabalho. Ser feliz dá muito trabalho e requer muita paciência (bem mais do que imaginávamos em petizes, reconheçamos). E, como qualquer ser humano, certamente cometemos erros, logo é apenas uma questão de tempo até algo acontecer.

Claro que existem vários tipos de erros. Um erro pode muito bem ser o esquecimento de enviar/responder a uma sms. Ou dizer algo claramente inapropriado, da pior forma possível ou no timing errado. Ou simplesmente não dizer o que pensamos, esperando que quem está ao nosso lado adivinhe, como que por magia, aquilo que queremos.

A dura realidade é que o “E Viveram Felizes Para Sempre” não é para qualquer um. O “E Viveram Felizes Para Sempre” não é para os fracos que roupem relacionamentos ao primeiro desentendimento. O “E Viveram Felizes Para Sempre” não é para quem coloca sempre o “eu” à frente do “nós”. O “E Viveram Felizes Para Sempre” não é para quem deixa o ego e o orgulho se sobreporem ao amor. E certamente que o “E Viveram Felizes Para Sempre” não é para aqueles que cedem à primeira tentação e traem sem pensar duas vezes.

O “E Viveram Felizes Para Sempre” é para quem gosta de consertar, melhorar e emendar e não para quem trata a cara-metade como se fosse descartável. O “E Viveram Felizes Para Sempre” é para quem está disposto a ouvir o outro quando ele precisa e não apenas quando bem lhe apetece. E, acima de tudo, o “E Viveram Felizes Para Sempre” é para quem cuida e nunca para quem agride (sim, quem ama nunca usa a violência, seja qual for a situação ou o contexto) porque nenhum amor sobrevive à violência doméstica.

Mas atenção: não se atinge o “E Viveram Felizes Para Sempre” insistindo infinitamente num relacionamento fracassado onde o amor há muito que desapareceu. “Mas como é que eu vou saber quando é que vale a pena insistir e quando é que mais vale desistir?”. A resposta pode parecer demasiado romântica mas acredito nela profundamente: nós sempre sabemos quando o amor é verdadeiro. Bem lá no fundo sabemos distinguir o amor de tudo o resto. Sim, isto parece conversa de um qualquer “filme pipoca” da tarde de Sábado (gostaria de poder dizer “tarde de Domingo” mas infelizmente tal é impossível actualmente em Portugal…) mas acreditem que não é.

Toda a minha vida julguei que o “quando te apaixonares a sério perceberás” era pura mentira. Até que eu próprio me apaixonei de verdade e me apercebi, instantaneamente, do que estava a acontecer. Até aí certamente senti fascínio, ilusão e espanto pelo sexo oposto mas nunca amor de verdade. Dessas pessoas tive amizade, compaixão e uma série de outros sentimentos mas nunca amor sincero e verdadeiro. Hoje sei que apenas comecei verdadeiramente a viver a partir do momento em que os meus olhos se cruzaram com os da minha “M” (e isto não é nenhuma revelação surpreendente, porque quem acompanha este meu espaço com regularidade já tinha “ouvido” falar na minha “M” anteriormente).

O segredo do “E Viveram Felizes Para Sempre” é, na minha opinião, ter a noção de que vão existir dias bons mas também dias maus. Sim, haverá sorrisos, gargalhadas, trocas de olhares apaixonados, festinhas pelo corpo todo, apalpões e muitos serões de amor profundo para dar e vender. Mas também haverá choro, lágrimas, saudade, tristeza, pequenas zangas e discussões ou simplesmente pontos de vista opostos. E se tivermos noção de que tudo isso faz parte da rotina de um casal daremos o devido valor aos bons momentos e saberemos gerir todos os outros.

A recompensa para quem consegue atingir o “E Viveram Felizes Para Sempre” não é o reconhecimento dos que os rodeiam. O “E Viveram Felizes Para Sempre” acontece entre quatro paredes, no recato da intimidade do casal (podendo manifestar-se nos mais pequenos, e aparentemente insignificantes, gestos). Claro que envolverá sempre recordações, fotografias e uma boa dose de exposição digital (ou não estivéssemos nós no Século XXI). Mas nunca serão os “likes”, os comentários ou as partilhas dos amigos do casal que vão manter esse relacionamento de pé, saudável e forte perante todas as adversidades. São eles os dois. E apenas e só eles os dois.

Obviamente que os pessimistas dirão que é impossível sequer almejar o “E Viveram Felizes Para Sempre”. Mas o que essas pessoas ainda não perceberam é que o “E Viveram Felizes Para Sempre” não significa ser feliz todos os dias ou, sequer todo um dia. Tudo se resume a ter certeza de que mesmo no meio dos desentendimentos e da monotonia da vida a dois não existe mais ninguém, em todo o mundo, com quem gostaríamos mais de partilhar o nosso amor do que com a nossa cara-metade.

Não sei quantos anos viverei. Não sei que desafios ou obstáculos me aguardam. Não sei se a saúde, a sorte e o sucesso se manifestarão sempre com a regularidade a que o destino me habituou. Mas há algo que sei: que a “M” é a mulher da minha vida e que a amarei para sempre. Para vocês não sei, mas para mim o “E Viveram Felizes Para Sempre” é bem real e está presente no meu coração todos os dias na minha vida. E sim, tenho noção do quão sortudo sou por ter tudo isto (e por ter consciência de tudo o que tenho).

Termino com uma questão para reflectirem: feitas as contas o maior louco será aquele que grita aos sete ventos quão grande, profundo e verdadeiro é o amor que partilha com a sua “mais-que-tudo” ou aquele que, tolhido pelas desventuras e insucessos do passado, fechou o coração a tudo e todos e se recusa a acreditar de que a sua alma gémea pode cruzar-se com ele num dia banal por entre a sua enfadonha rotina?

Boa semana.
Boas leituras.