Você decide

Não podia estar mais em desacordo com o final escolhido para a minha personagem favorita, no final da primeira temporada da novela Única Mulher, de que não perdi nenhum episódio desde o início e logo que acabou retomou a dar para continuar a contar-nos o conjunto das peripécias que com as outras personagens da série andou a enredar-nos ao longo de meses no horário nobre da TVI.

Gostava da história, escrita por guionistas que só pecavam porque antes do final da que estava a dar já estavam focados no rumo que iam dar à próxima. Adorava a paisagem do local onde decorria a ação, à margem dos reais problemas que afetam o quotidiano das pessoas que apreciam este género de produção e amava sobretudo as atrizes do elenco, de que fazia parte a minha musa, da menos nova à mais velha e da mais magra e alta à, de entre as restantes, que fosse ainda mais capaz de despertar o meu interesse mesmo não sendo tão magra nem elegante.

De umas era capaz de me vir a tornar o melhor amigo. Com outras era capaz de casar, depois de um namoro que nasceria de uma franca amizade cimentada nos bancos da escola onde desde há muito eles eram de pau. Em menor número eram aquelas com quem se casasse essa ligação poderia durar tempo razoável para nos conhecermos convenientemente, mas só com uma ele poderia ser para toda a vida.

Refiro-me a uma jovem atriz, que não protagonizava nenhuma história a não ser no romance que ganhava forma na minha cabeça e se por um lado via nisso uma desvantagem pelo facto de não desempenhar o papel principal na minha vida, como gostaria, por outro, não deixava de constituir uma enormíssima vantagem ocupar na história um lugar em que não coubesse ser a protagonista, pois para esta o autor traçara o perfil de uma mulher pelo menos trinta anos mais velha e antipática do que ela.

Gostaria de jantar com ela numa sala decorada com rosas vermelhas e levá-la a contemplar o pôr-do-sol, num sítio de onde não me arrependesse de sair para levá-la cedo para casa, pois sabia que havíamos de voltar mais vezes. Ocorrera-me mandar entregar-lhe duas dúzias de rosas vermelhas que expressassem a minha admiração, acompanhadas de um bonito cartão com uma dedicatória a preceito, enaltecendo-lhe ser tão virtuosa. Não tinha nada a perder e, limitando-me a vê-la pela televisão à distância a que ficava o estúdio de gravação do lugar onde morava, nem tão pouco o indesejável não. Finalmente, de convidá-la para vir ao meu apartamento onde a pretexto de querer que passasse a noite inteira, lhe daria a ouvir a obra completa de um artista do agrado de ambos que gravasse regularmente há, no mínimo, quarenta anos. Pôr na mesa a melhor toalha de linho que herdei da minha avó e, de avental à frente para não manchar o vestido que teria de levar para limpar a seco, assistir a preparar-me o jantar desde que não soubesse só fazer o elementar bife com batatas fritas com uma receita tirada da net, e só depois irmos, se não lhe apetecesse ficar, a uma discoteca da moda, dessas onde vão as celebridades da televisão, onde terminaríamos a noite se eu soubesse dançar.

Podia passar a descrevê-la para que, nem que fosse só através da precária descrição física que me fosse possível fazer, melhor entenderem o meu estado de espírito e até poderem tecer um curto comentário a seu respeito. E mediante como achasse que tinha ficado o jantar, gabá-la de ser uma dona-de-casa exemplar e mais que provável excelente futura mãe. Podia concluir que enquanto estudante e até lhe ser barrada a entrada na universidade por insuficiência no numerus clausus, se aprendera a falar francês, o mais provável era que também soubesse tocar piano.

Podia tudo isso mas não vou fazê-lo! Se quiserem conhecê-la tão bem como eu até à data, acendam logo à noite a televisão, sintonizem na TVI e assistam ao capítulo da novela em que entra, acerca da qual do enredo nada contei mas com cujo final de primeira temporada não podia estar mais em desacordo.

É que preferindo ter dado um final diferente também a este texto, apetecia-me terminar dizendo que, à semelhança de um programa que já passou há uns anos, eu é que tinha decidido e, ao invés de ela ter casado com o rapaz na companhia de quem viveu aventuras e desventuras, era comigo que tinha dado o nó e sido muito, mas mesmo muito, feliz!