World of Warcraft: Legion (Review)

Como analisar um MMORPG (Massively Multiplayer Online Role-Playing Game)? E melhor ainda, como analisar um jogo com quase 12 anos? A tarefa é difícil e requer mais horas de dedicação do que qualquer videojogo, especialmente, devido ao enorme número de conteúdo, que nem sempre é lançado na primeira semana. Legion é a nova expansão de World of Warcraft, e que segredos escondem as Broken Isles que possam trazer de volta velhos veteranos e novos jogadores e, mais importante que tudo, que possam despertar uma nova era dourada a este gigante da Blizzard?

Em 2004, World of Warcraft apanhou o mundo dos videojogos de surpresa moldando todo o conceito de MMORPG, com uma experiência que, embora não totalmente inovadora, trazia uma bagagem sem precedentes, ligada um sucesso de estratégia na altura com 10 anos. Warcraft (1994) é uma história de conflito, num mundo de fantasia complexo que junta todos os clichés da fantasia moderna da escola de Tolkien a um mundo. aparentemente, mais descontraído. O inicial conflito entre orcs e humanos, que o recente filme explora à sua maneira, acabou por tornar-se num enorme universo, com elfos, anões, mortos-vivos, trolls, taurens, etc. Esta franquia adquiriu com o seu sucesso uma base de fãs razoável, e depois do sucesso de Warcraft 3: Reigns of Chaos (2002), e da sua expansão The Frozen Throne (2003), o caminho estava lançado para que a Blizzard chegasse mais longe, mesmo transportando a saga para um estilo diferente.

Retendo o visual que marcou o jogo de estratégia e introduzindo um mundo sem precedentes, World of Warcraft teve na sua sua era dourada de subscritores cerca de 12 milhões de contas activas, e estes números são o testemunho derradeiro sobre a sua importância para o panorama no género. Muitos foram os videojogos apelidados de WoW killer, alguns deles saídos quase uma década depois do gigante da Blizzard! Nunca chegaram sequer perto do seu sucesso, uma parcela deles já nem existe, e a outra vive à espera de uma oportunidade. Alguns tiveram de substituir o seu modelo de subscrição para tentar a sua sorte, garantindo a sua sobrevivência. World of Warcraft continua a pregar o seu modelo, 13 euros por mês com descontos consideráveis, se for pago anualmente. 12 anos depois continuamos a pagar, alguns fazendo pausas enormes que chegam a anos e outros sempre a encontrar algo novo que os prende.

Difícil é fazer um resumo de todas as expansões e de todas as historias que já passaram por World of Warcraft, e como tanto mudou na sua cronologia desde Warcraft 3: Reigns of Chaos. Mas uma coisa é certa, a sua penúltima expansão, Warlord of Draenor, que tinha muito para inovar, acabou por não lançar conteúdo suficiente, nem dosear o existente, tornando-se pouco dinâmico e bastante repetitivo. Cometeu o erro de prender os jogadores às suas garrisons, bases atribuídas a cada personagem que requerem dedicação e podem levar horas de manutenção, tornando o jogo numa experiência claustrofóbica e até anti-social. Legion parece ter todo um novo modelo, que tem como objectivo corrigir os erros do passado.

História

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Azeroth está novamente envolta no caos e sobre a ameaça de uma nova invasão da Burning Legion, empenhada em ressuscitar Sargeras, o titã demoníaco. Os heróis da Alliance e da Horde terão de viajar até às Broken Isles, um local outrora berço de uma civilização prospera de night elves, mas também de toda uma mitologia, que serve de origem à vida que se propagou por Azeroth. Embora a urgência desta nova invasão deva ser justificação para unir os povos deste mundo, Alliance e Horde estão, como sempre, em posições completamente diferentes.

Depois de um assalto mal sucedido às Broken Shores, que culminou com a suposta morte do líder do reino humano de Stormwind Varian Wrynn e do Comandante da Argent Crusade Tirion Fordring, o ódio entre raças atinge uma nova escala. No fracasso da batalha contra a Legion, a Horde opta por uma retirada estratégia, deixando as tropas e lideres da Alliance à mercê das legiões e de Gul’dan. A batalha não é, no entanto, apenas um duro golpe para Aliance, pois o líder unificador da Horde, o troll Vol’jin é ferido gravemente e morre em Orgrimmar pouco depois.

Esta retirada é vista como traição pelos sobreviventes da Alliance, o que fará despertar um novo sentimento de ódio, que não ajudará em nada contra a nova ameaça que paira sobre Azeroth. Com o filho de Wrynn, Anduin, a liderar o reino de Stormwind e a Horde a ser comandada por Sylvanas Windrunner, líder dos Forsaken, é impossível de prever o desfecho do conflito que se avizinha.worldmap-brokenisles-build20740

As Broken Isles acabam por apresentar uma história segmentada que permite ao jogador começar em qualquer região, excepto Suramar, que só fica disponível depois de completar todas as outras. Sem restrição de nível, e com histórias desligadas o suficiente para permitir ao jogador essa flexibilidade, as zonas são bastante diferentes e ecoam em parte de regiões de outras expansões, com alguns toques familiares na sua banda sonora, que permitem alguns momentos de nostalgia. Stormheim, com o regresso das Val’kyr e dos Vrykul, ressuscita a nostalgia de Wrath of the Lich King. enquanto que Val’Sharah e Highmountains relembram versões mais adultas de Ashenvale e Mulgore, respectivamente, pela sua arquitectura e estilo. Cada zona está também ligada a adquirição de artefactos, que no seu conjunto terão relevância na luta contra a Legion.

Com uma história muito mais “gamotronesca”, que comete alguns riscos, é de esperar alguns suspiros dos maiores fãs da lore, especialmente em Val’Sharah, que certamente levará alguns à epifania e ao choro. Sinal dos tempos, das mudanças de narrativa, mas também um certo virar de página neste grande colosso. A utilização de locais icónicos de expansões anteriores é também uma forma de apelar à nostalgia de tempos áureos desde MMORPG.

Entre impressionar forças superiores, a salvar os nativos de Broken Isles, a experiência de World of Warcraft continua a ser baseada num estilo de quests típico do género. Matar 10 monstros, coleccionar 50 itens espalhados por uma área gigante, etc. No entanto, há também espaço para algumas inspirações tiradas de outros MMOs, especialmente no caso das world quests, missões que aparecem pelo mundo e possibilitam a obtenção de reputação sem necessidade da repetição clara e insistente de uma quest diária. Outras demandas pelo mundo dão uma maior liberdade ao jogador, e já existiam em Warlords of Draenor, atribuindo a uma tarefa uma barra de percentagem que deve ser preenchida através de diferentes actividades numa determinada área.

A grande novidade é, sem duvida, a inclusão de quests relacionadas com a classe do jogador, o que faz a diferença na experiência de transição entre personagens. Embora com uma estrutura base semelhante, que passa pela apresentação das funcionalidade da classe hall, esta campanha de classe tem o suficiente para permitir alguma diferenciação entre jogadores. O mesmo se pode dizer das profissões, agora com demandas de relevância, que permitem melhorar a capacidade do jogador para recolher ou criar certo elemento de crafting.

É desde logo claro que a Blizzard quer continuar a inovar em termos de quest design, com alguma originalidade a cada esquina, à qual se juntam as cutscenes periódicas e alguns diálogos falados que aparecem quando entramos numa nova área. Falta ainda reformular um pouco a maneira como o texto e a história de cada demanda é oferecida ao jogador. Alguns addons como a storyline tentam tornar o texto mais agradável, mas é pena que tantos anos depois não haja um esforço da própria companhia para despertar o interesse pelas micro narrativas de Azeroth.

Gameplay

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Há muito que os jogadores de World of Warcraft ansiavam por uma nova classe. A última adição tinha sido o Death Knight na já longínqua expansão Wrath of the Lich King (2008). Legion traz consigo o Demon Hunteruma classe que se enquadra na história e começa a nível 98, e que não parece ser apenas um avanço na construção de uma classe única com novas dinâmicas, mas também, um passo em frente na abordagem a todas as classes existentes no jogo.

O Demon Hunter tem bastante mobilidade, pode inclusive planar com a ajuda de asas, permitindo uma melhor movimentação. Em termos de habilidades é talvez uma das classes que mais se movimenta, cortando o ar com a ajuda das suas glaives. Entre saltos e movimentação, a classe move-se com fluidez numa espécie de dança à qual se junta a sua forma demoníaca, que permite, com uma simples mudança de visual tornar-se ainda mais forte. Parece uma boa personagem para visitar conteúdo antigo, mas também para farmar devido à sua facilidade de movimentos. Com duas especializações que permitem fazer dano e tankar, as possibilidades são um pouco diminutas, especialmente quando outras classes têm, em média, três caminhos de evolução possível. No entanto, as novidades que esta nova classe traz vão para além de si própria…

As classes já existentes foram alvo da habitual reformulação, semanas antes do lançamento da expansão. Muitas das classes perderam habilidades inúteis ou ganharam novas dinâmicas. Quem jogou vanilla sabe perfeitamente a dificuldade que era conjugar todas as habilidades existentes numa só classe, especialmente Warrior. Ao longo dos anos esta gestão tem sido simplificada, para grande descontentamento da população mais hardcore. Esta optimização e modificação das classes tem um problema, um jogador está sempre a reaprender a sua classe a cada expansão, e essa modificação pode ser tão drástica que não lhe permita continuar a apreciar a mesma, mesmo que tenha jogado desde o início com ela. Se a simplificação parece ter deixado algumas classes menos interessantes para os jogadores mais dedicados, outras ganharam dinâmicas que não só a destacam entre classes, como entre especializações. O Rogue na sua especialização Outlaw depende do lançamento dados, brilhantemente animados em combate, que lhe dão habilidades aleatórias, que terá de gerir. Outras dependem da constante aplicação de dots, como o Hunter Marksmanship, e o seu debuff de Vulnerabilidade, que deve ser controlado com as outras habilidade, de forma a estar sempre activo.

Para tornar a experiência de classe ainda mais única é atribuída a cada uma delas uma base especifica, a class hall. Uma versão mais simples da garrison de Warlords, as class halls permitem que o jogador enviem os seus npc’s em missões, com ajuda de pequenas tropas que têm de ser recrutadas novamente passadas algumas utilizações. Organizar o tempo de jogo neste novo sistema é muito mais cómodo do que na garrison, com a satisfação de que cada class hall é diferente e adaptada à própria temática que a classe do jogador representa. Com a class hall vem também uma nova maneira de abordar o armamento no jogo, com os artefactos, armas atribuídas a cada especialização, e que vão evoluídos através de artifact power, uma nova forma de recompensa nas diversas quests de Broken Isles. Esta nova forma de evolução torna a procura por este artifact power, e subsequente evolução da arma artefacto, numa experiência de grinding que pode tornar-se pouco apelativaCom uma árvore de habilidades associada, que pode ser evoluída e modificada através da utilização de relíquias, as novas armas têm também uma habilidade única que depressa pode fazer a diferença no leque de skills do jogador.

Quem perde no fim são as personagens secundárias, as alts, postas de lado para não perder o ritmo das world quests e do artifact power. A Blizzard introduziu algumas mecânicas para ajudar o jogador a utilizar outras personagens, nomeadamente, o decréscimo retroactivo da quantidade necessária de artifact power consoante a inactividade da personagem, de forma a que as personagens menos jogadas possam acompanhar as mais jogadas e, sobretudo, para que as mais jogadas não percam oportunidades por estarem inactivas enquanto o jogador usa uma alt.

O “End Game”

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Com world quests que nunca acabam, e Suramar a oferecer uma experiência que vai para lá do nível máximo permitido, Legion traz consigo uma panóplia de dungeons, nas suas versões já conhecidas e com graus de dificuldade variáveis. Com um level design irrepreensível, as novas dungeons são diferenciadas e cativantes, o que ajuda à sua repetição sempre que possível. E se as dificuldades existentes já eram bastante familiares há ainda uma nova maneira de experienciar cada uma, com a promessa de melhor loot. Seguindo o conceito já aplicado em Diablo 3 com os Greater Nephalem Rifts e respectivas variáveis aleatórias, Legion apresenta as suas Mythic+, dungeons activadas através de uma pedra que rege a sua dificuldade e as suas variáveis. De inimigos mais fortes a debuffs que assombram toda a party, as dungeons devem ser percorridas no mínimo de tempo possível, de forma a ganhar melhor equipamento. Com a dificuldade a subir, tudo se torna mais difícil, mas as recompensas também aumentam prometendo uma progressão que poderia ser infinita não fosse as limitações do gear, e claro, a progressão da dificuldade.

Quanto às raids, a recente Emerald Nightmare é um regresso ao habitual. Podendo ser feita semanalmente em várias dificuldades é para já a melhor maneira de ganhar equipamento, de forma a enfrentar desafios a haver. Com poucas mecânicas novas, os bosses exigem coordenação e uma sinergia entre jogadores. Para quem tem uma guild com horários fixos para progressão nestas raids,o sucesso é garantido, para quem gosta de ser dono do seu horário ou não tem tempo para guilds, pode juntar-se à descoordenação de um grupo aleatório, onde o sucesso depende também da sorte em encontrar jogadores empenhados.

Se Legion não estagnar por falta de conteúdo, pode muito bem ser uma das melhores expansões de World of Warcraft dos últimos anos. Com um visual por vezes desactualizado, mas intemporal, tem conteúdo para vingar e inova o suficiente para nos manter agarrados nos próximos meses. As alterações dos últimos anos têm mostrado a flexibilidade do motor de jogo e a habilidade daqueles que têm actualizado o jogo, tanto visualmente, como a nível de conteúdo, desde o seu lançamento. Sendo talvez a única oportunidade da Blizzard para trazer de volta uma era dourada para o seu MMORPG, esta expansão parece um passo gigante na sua já longa história, que pode garantir mais uma década de longevidade ao mesmo. Um dos próximos patches levará os jogadores a uma renovada Karazhan, que serve de ponte entre a nostalgia dos jogadores mais antigos, e a exposição da torre de Medivh no filme deste ano. Só o futuro dirá se a companhia que trouxe os recentes Heroes of the Storm e Overwatch poderá manter uma comunidade exigente interessada e satisfeita, garantindo o futuro de um videojogo sem precedentes na história.  

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Volto para o próximo mês com mais videojogos…