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Yesterday – 2047 (Capítulo 3)

2047

2047 quilómetros separam-no do seu enigmático destino, do seu renascimento. Já não há movimento no avião. A imponente porta já está encerrada, o derreado último passageiro a seu lado já se entregou a um sono penetrante e a graciosa hospedeira de bordo já encontrou o seu poiso, reservado junto da restante tripulação. As luzes descenderam de intensidade, deixando-os na branda penumbra dos primeiros raios da manhã. Só o diminuto ecrã continua a lampejar, norteando o trajecto através de um infante avião que sobrevoa a órbitra que irão desenvolver.

2047. De cada vez que esta pujante quantia lhe toma a sua inepta alma, não quer crer no que está prestes a conceber. Está a deixar a sua vida para trás. A sua indomável vida ou a sua corajosa sobrevivência? O que viveu realmente até actualmente? Olha as serenas mãos de quem o rodeia, acomodadas sobre os seus colos. Todos têm uma luzidia aliança num dos seus dedos. Olha as suas, pesarosas e lassas pela labuta e pelo tempo. Estão desnudadas.

2047. A impertinente questão não lhe sai da cabeça. O que realmente viveu até hoje? Não é casado, não tem descendentes, contam-se pelos dedos as vezes que viajou para fora do país e, em raros momentos, se deu a luxo de uma exígua excentricidade na sua vida. Para o que viveu? Para o trabalho. Aquele fastidioso trabalho das 9h às 17h, atrás de uma já defessa secretária, onde tudo o que concebia era tão automático, que no fim do dia já não se ementava do que tinha produzido. O contacto com outras pessoas era bastante circunscrevido. Era só ele e aquele cubículo que conhecia de cor. Por isso, ninguém pode imaginar o quão refrescante foi o sorriso da encantadora hospedeira. Faz imenso tempo que não experimentava um calor reconfortante de um mélico e genuíno gesto como aquele.

2047. Apesar do temor que ressente, pressente que algo vai demudar. A sua fragosa mão roça a tatuagem timbrada no seu braço. Aquela agridoce lembrança que marcou a sua vida até ONTEM.

To be continued