Yesterday – Welcome on board (Capítulo 2)

Capítulo 2

“6 – Welcome on board.”

1,2,3 lado direito. 4, 5, 6 lado esquerdo. O seu parrudo bilhete alumia o lugar número 6 que se situa na vanguarda, junto à edulcorada janela, dando-lhe a sensação de ser o douto que caudilhará o coleante pelotão em mais uma epopeia.

Fariscando acanhadamente o macilento corredor, as pessoas vão repenicando o impávido pedaço de papel que beija as suas mãos, tentando espiar o lugar que lhes coubera. Suculentamente vestida e de sorriso sideral nos lábios, a hospedeira de bordo fulgura as boas vindas aos lacónicos semblantes que por si vão passando, mesmo que sorrir não faça parte da sua volição. O seu singelo e aromatizado rosto, matizado brevemente, não paralisa quando frívolas e sobranceiras almas não retribuem o seu sedoso gesto de boas vindas. Ela permanece sublime e faiscante. Como ele desejava que o seu quebrado âmago pudesse sentir-se assim, ao invés de entorpecido.

De modo tiritante, o jubiloso avião compõe-se de gente de todas as idades, etnias e culturas. O desnudado lugar a seu lado ainda não encontrou o seu dono e a anafada porta está quase a ser fechada.

Quezilentos passos fazem-se escutar no metálico túnel que une a porta de embarque e o avião. São passos tempestuosos que ressoam como o gigante Gulliver quando chegou a Lilliput, após o naufrágio do seu navio. De pasta na mão e respiração balbuciante, uma babelesca figura masculina assoma junto à entrada. O seu imaculado fato contrasta com a sua luzidia face marcada pelas gotas de suor que a cingem. A sua torpe alma recebe um sorriso felpudo da dócil hospedeira, que o aquece e ilumina, tornando aquele barulhoso dia em algo mais tenro, até mesmo melificado.

Ordenando a revolta gravata, abandonou o seu extenuado corpo no único lugar ainda disponível. O lugar a seu lado. Ele estava comedido na sua cadeira, de olhar vago e espirito perdido, mas propagava um calor devorador.

Os primeiros tépidos raios de sol acariciavam o seu rosto enquanto pensava o que aquela figura masculina recém-chegada devia estar a sofrer, porque ao contrário de si, ele continuava a lutar contra o tempo. No entanto, ambos aparentavam ter algo em comum. Com ou sem o tic tac do relógio, a vida não deixava de ser ardilosa, deixando-os emaranhados nas suas próprias reflexões.

Plim plim.

À sua frente, um exíguo ecrã liga-se e alude o plano da viagem. De voz fungada, o piloto do avião faz-se escutar.

“Welcome on board.”

O seu fatigado coração dispara.

To be continued