Estação de Cascais em 1889 a quando da inauguração do ramal entre Cascais e Pedrouços

A concessão da Linha de Cascais e os exemplos do Reino Unido

Em 30 de setembro de 1889 dá-se a inauguração pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses (v. CFP) do “Ramal” de Cascais com a abertura à exploração pública do troço entre Pedrouços e Cascais – comemorando os 125 Anos este ano de 2014 – iniciado a partir de Pedrouços aguardando pelas obras da 1ª secção do porto de Lisboa, deveria alcançar a estação de Santa Apolónia e aí fazer a ligação com as Linhas do Norte e Leste, projeto que acabou por nunca ser concretizado. A linha chegou até Alcântara-Mar em 6 de dezembro do ano seguinte, tendo nessa altura sido alterado o nome para Linha de Cascais, e chegou ao Cais do Sodré, atual estação inicial/terminal da Linha em 4 de setembro de 1895.

Em 1908 a Companhia Real dos CFP arrenda a Linha de Cascais à Sociedade Estoril, com a condição de que o sistema de tração passe a ser o elétrico, o que se concretiza em 1926 com a inauguração da eletrificação, tal facto levou-a a estar fora da constituição da CP e da rede ferroviária nacional, quando esta é criada em 1947, pois foi arrendada à Sociedade Estoril até 1976 – 50 anos após a inauguração da eletrificação – deste modo esta linha é a última a ser integrada na CP, em 13 de Dezembro de 1976.

Em 1977 são aprovados os novos Estatutos da Companhia dos Caminhos-de-ferro Portugueses, SARL que passa a denominar-se Caminhos-de-ferro Portugueses, EP e dá-se a integração da Linha de Cascais e é lançado nesse ano o sistema de classe única para as linhas de Cascais, Sintra, Barreiro – Praias Sado e criação o sistema de Passe Social nas linhas suburbanas e na via fluvial na área da Grande Lisboa.

Estação de Cascais em 1889 a quando da inauguração do ramal entre Cascais e Pedrouços
Estação de Cascais em 1889 a quando da inauguração do ramal entre Cascais e Pedrouços

O atual estado da Linha de Cascais

Segundo várias noticias vindas a público e citando uma noticia do Público de 26/08/2014 descreve-se bem o estado atual da mesma: “(…) falta de comboios, uma vez que os atuais estão no fim do seu período de vida útil e está afastada a compra de novo material circulante porque isso iria encarecer a concessão. A solução passa por recorrer ao material excedentário da frota da CP Lisboa e afetá-la à linha de Cascais. Atualmente, a CP só utiliza cerca de dois terços das automotoras UQE (Unidades Quádruplas Elétricas) que são usuais na linha de Sintra e dispõe também de três comboios de dois pisos a mais. Sem dinheiro para investir – e baseado na teoria de que o ótimo é inimigo do bom – o Governo deverá incluir no caderno de encargos este material, com o qual o concessionário será obrigado a prestar o serviço possível, inferior ao atual. (…) Entre 1 e 18 de Agosto, segundo dados da CP, foram suprimidos 4% dos comboios na linha de Cascais. Parece pouco mas esse valor representa 157 comboios cancelados em apenas três semanas. (…) O motivo é sempre o mesmo: os comboios da linha de Cascais são velhos, apesar de terem sido objeto de uma modernização nos anos 90. Há, por exemplo, motores cuja conceção original é de 1959. E os motores mais novos datam de 1979. Já todos foram rebobinados, levaram novos segmentos, mas estão desadequados e têm uma manutenção caríssima. Aliás, devido ao seu envelhecimento, a frota de Cascais é hoje a mais dispendiosa de todo o parque da CP. (…) Para ajudar a resolver os problemas dos motores, a EMEF (empresa de manutenção da CP) pediu ajuda à Faculdade de Engenharia do Porto, procurando, assim, o milagre de fazer durar mais seis ou sete anos material que está em fim de vida. E não se limita a reparar os motores nas suas oficinas de Oeiras – alguns vão ser arranjados ao Barreiro e ao Entroncamento para acelerar o processo e voltar a pôr os comboios na linha. (…) Perguntar-se-á, então, por que motivo não se afeta já à linha de Cascais as outras composições da CP. Por quê esperar pela concessão? Porque entre o Cais do Sodré e Cascais a alimentação elétrica é feita a 1500 volts em corrente contínua e nas restantes linhas da Refer é a 25.000 volts em corrente alterna. Vai ser necessário investir primeiro na mudança da corrente elétrica e na própria sinalização da linha, que lhe está associada. (…) O ideal seria modernizar também a infraestrutura, mas, sem dinheiro, o Governo está a estudar uma solução minimalista que consiste em mudar apenas a eletrificação e a sinalização, mantendo os carris, as travessas e o balastro tal como estão. A falta de dinheiro, pelo menos, leva a soluções criativas. Em vez de se construir uma nova subestação elétrica para alimentar a linha a 25.000 volts, a Refer prevê usar a subestação do Fogueteiro e fazer chegar a eletricidade à linha de Cascais através de um cabo de alta tensão que baixará por um dos pilares da ponte 25 de Abril até Alcântara”.

Para finalizar a descrição mais que preocupante, o antigo Presidente da CP que foi citado em Dezembro de 2012, assume que o estado dessa Linha estava próximo do caótico nesse ano: “o material está muito velho. A segurança está garantida e as condições mínimas de conforto também. Mas temos um problema de disponibilidade do material, porque o período de imobilização em oficina é longo e nós não temos outro material para o substituir“. A solução, acrescenta, é investir. “Não é possível continuar a manter a linha de Cascais sem investimento. Mas a CP não o pode fazer, pois está limitada no endividamento.“.

Os casos da Railtrack, Metronet e da National Express dentro da British Railways

Até à década de 40 do século passado, os caminhos-de-ferro britânicos estavam na posse de privados, a partir de 1948, com a constituição da Comissão Britânica de Transportes, passaram a ser propriedade pública em conjunto com outros serviços de transporte, como o Metro, nos começos da década de 60 do século XX, a Comissão Britânica de Transportes deixou de existir passando os caminhos-de-ferro a estar na dependência da British Railways Board (Administração dos Caminhos-de-Ferro Britânicos) que, sendo uma organização autónoma, era propriedade estatal. Esta situação alterou-se quando o governo conservador de Margaret Tatcher, que chegou ao poder em 1979, transferiu um importante número de serviços para o sector privado, entre os quais os caminhos-de-ferro.

Após a aprovação da Lei dos Transportes Ferroviários em 1993, o Governo levou a cabo uma política de fragmentação, para posteriormente privatizar o sector, para termos uma ideia das mudanças introduzidas na estrutura organizativa, primeiro criou-se uma organização totalmente independente – a Railtrack – encarregada da infraestrutura ferroviária (incluindo as vias e o sistema de sinalização), depois dividiu-se por 3 empresas o material circulante da British Railways (v. BR), criaram-se 25 empresas para a exploração dos comboios de passageiros, 3 empresas para o transporte ferroviário de mercadorias e a isto juntaram-se mais 13 para a manutenção das infraestruturas e renovação das linhas, isto com base nos sectores técnicos da BR que estavam encarregados de tais funções trabalhando com base em contratos celebrados com a Railtrack. Mas a fragmentação não terminou aqui, pois foram vendidas as principais oficinas de reparação de material circulante da BR e 13 importantes estações foram colocadas sob administração autónoma criando outras tantas empresas distintas e ao mesmo tempo que foram oferecidas ao sector privado importantes atividades comerciais da BR, incluindo o departamento de investigação, sistemas e serviços comerciais e o fornecimento de material e equipamento estes sub-sectores representaram mais 18 empresas. De 1 empresa, a BR, passaram a haver mais de 70 empresas, com todas as duplicações e sistemas de gestão e administrativos necessários para alimentar tal máquina.

Com a fragmentação da estrutura ferroviária num vasto número de empresas privadas independentes, encarregadas dos distintos aspetos das operações ferroviárias, as relações de trabalho entre as empresas passaram a ser determinadas por contrato, e estes numerosos e complexos documentos legais criaram obstáculos desnecessários e considerável burocracia na gestão diária do sistema ferroviário, e para que este sistema ferroviário fragmentado pudesse funcionar, o Governo viu-se obrigado a criar duas novas agências estatais, o Gabinete do Regulador Ferroviário e o Gabinete do Diretor de Taxas Ferroviárias para Passageiros, a confusão era tal que o último presidente da BR, Sir Bob Reid – conservador – numa entrevista de final de mandato e falando sobre a fragmentação e privatização dos caminhos-de-ferro, admitiu que preferia investir o seu próprio dinheiro num matadouro ou numa plataforma petrolífera, em vez de numa qualquer parte dos caminhos-de-ferro, a privatização, disse, “seria excessivamente cara e intensamente burocrática (…) e um verdadeiro pesadelo” isto depois de haver admitido que a qualidade do serviço tinha começado a diminuir e de ter acusado o governo de se imiscuir em assuntos que não entendia exprimindo a sua preocupação de que as novas empresas comerciais do mercado ferroviário se vissem tentadas a procurar maiores lucros, e não propriamente a investir de novo na rede.

A Railtrak é privatizada em Maio de 1996, mas a falta de investimento cria problemas que se sucedem rapidamente os piores, a juntar à falta de coordenação e de despedimentos em massa de mais de 24 mil trabalhadores, são uma série de acidentes graves, coisa inédita no Reino Unido, de entre os outros, os mais graves foram o de 1997 em Southall – 7 mortos e 139 feridos – e o de 1999 em Lasbroke Grove – 31 mortos e 523 feridos – e em 2000 o de Hatfield – 4 mortos e mais de 70 feridos – que puseram em causa a Railtrack. Estes acidentes vêm pôr a nu todas as debilidades do sistema e os acionistas começam a sair da empresa e como resultado o valor desta baixa mais de 500 M £ a queda provoca, em 7 de Outubro de 2001, a falência e nesta data a empresa é colocada sob a proteção dos credores. Após um braço de ferro de mais de um ano com os acionistas, o Governo, cria a Network Rail e compra por 500 M £ a Railtrack, agora RT Group, aos acionistas, renacionalizando-a e assumindo uma divida de mais de 37 B – sim de Biliões de – £ e tendo que injetar na empresa mais 14,8 B  £ de 2001 a 2006.

Como se não bastasse este caso, em 2007, dá-se o caso Metronet, como já referimos quando foi dividida a estrutura da BR, criou-se uma empresa para gerir o célebre London Underground ou Tube – como é conhecido carinhosamente por lá – esta privatização foi efetuada em Parceria Pública e Privada (v. PPP), em Abril de 2003, deste modo 1/3 continuaria nas mãos do estado e 2/3 forram vendidos à empresa Metronet, ficando esta empresa com a responsabilidade da manutenção, renovação e modernização da infraestrutura em 9 linhas do Tube. Numa primeira fase começou logo por despedir 660 trabalhadores e a passar para outras empresas mais 400 – isto em 5000 funcionários que teria – o problema é que nem com estas poupanças o negócio foi rentável, os sinais passados pela administração também não ajudavam, em 2006, esta tinha remunerações e custos que no conjunto totalizavam 345,5 M £/ano e o governo transferia em termos de indemnização compensatória mais de 1 B £/ano, em 18 de Julho de 2007 a Metronet colapsa e fica sob proteção de credores e em 27 de Maio de 2008 são reintegradas/renacionalizadas a gestão das 9 linhas na Transport of London, empresa municipal, situação que custou aos munícipes de Londres mais de 500 M £.

Por fim ainda há a cereja no topo do bolo, em 1 de Julho de 2009 o Departamento de Transportes Britânico anuncia que iria renacionalizar a concessão da East Coast Main Line, criando uma companhia nova até ao final do ano para a gerir, isto porque a National Express dona desta concessão referiu que já não iria investir mais nenhum dinheiro nesta e que iria abandonar a mesma no final do ano, soube-se também posteriormente que queria entregar esta concessão por 100 M £ facto que o Departamento de Transportes não aceitou. Esta situação foi denunciada entre outros por Ken Livingstone o Mayor da cidade de Londres que teve que lidar com o caso anteriormente referido da Metronet. Por este caso à National Express foi-lhe anunciada a negação da extensão da concessão por mais três anos da linha East Anglia ou Greater Anglia Franchise pelo Departamento de Transportes Britânicos, que anunciou a medida em Novembro de 2009, esta decisão foi revertida após vitória, em Maio de 2010, dos conservadores liderados por David Cameron que estenderam o prazo da concessão por mais dois anos e a renegociaram de novo em 2012, premiando deste modo o buraco de 30 B £ que esta companhia deixou para os contribuintes pagarem nos próximos anos e após o abandono da concessão da East Coast Main Line.

No âmbito geral e num artigo muito bem escrito o economista Michael Moran investigador afiliado ao CRESC – Centre for Research on Socio-Cultural Change – um departamento interdisciplinar de investigação fundado pela University of Manchester e a Open University e baseado num livro/relatório que editou, intitulado The Great Train Robbery (traduzindo de forma livre por mim O Grande roubo dos Comboios) refere em termos sucintos o caso de que “entre 1997 e 2012 a concessão da West Coast Mainline, entregue à Virgin Trains, que pagou por esta 500 M £ mas que receberam um subsidio estatal até agora de mais de 2.5 B £”.

Pode mesmo uma Linha como a de Cascais ser privatizada?

A concessão da linha de Cascais a privados foi anunciada pelo atual Governo em Novembro de 2011, tal constava no Plano Estratégico dos Transportes apresentado à troika, esta operação fazia aliás, parte de um projeto mais vasto que abrange também a concessão da Metro de Lisboa, Carris, Metro do Porto, STCP e Transtejo. Este processo relacionado com a CP chegou a ser apontado como o piloto na área das concessões, mas acabou por ficar em banho maria durante largos meses, no Verão do ano passado, o Governo criou um grupo de trabalho para preparar a operação, mas o processo pouco evoluiu desde então.

Pouco se sabe por isso de quais os termos que irão ser apresentados aos privados, tendo-se pelo menos a garantia que é à EMEF que caberá os investimentos em material circulante e à REFER a gestão da infraestrutura das linhas e a manutenção destas. A primeira pergunta legitima que se faz é a seguinte, o que é que ficará então concessionado?

Pois bem e pelo que nos é dado a conhecer, apenas a operação comercial é concessionada, deste modo e a confirmar-se este cenário os privados que irão receber a concessão não perderão nenhum dinheiro e o erário público é que arcará com todos os investimentos e manutenções perdendo o estado todas as receitas que obtém deste modo por um encaixe financeiro de n M € que terão que dar para os investimentos em material circulante efetuados pela EMEF e pela gestão e manutenção das linhas que está entregue à REFER. E qual o valor destes, segundo recentes declarações ao JR – Jornal da Região – de Cascais – Edição n.º 1 de 15 a 21 de outubro de 2014 – o presidente da REFER, Rui Loureiro, referiu que “é necessário um investimento em infraestruturas na ordem dos 140 milhões de euros. Para viabilizar a linha, nomeadamente através de novo material circulante, são precisos mais 180 milhões” deste modo são precisos 320 M €.

A juntar a este cenário de 320 M € à cabeça, pois se for inferior a concessão serão todos os contribuintes a pagar o restante, o governo não deixará de assegurar aos privados que receberem a concessão uma indemnização compensatória por causa dos passes sociais e outros afins pelo que a médio prazo e com o lucro da exploração comercial a concessão estará paga e será razoável lucrativa face ao risco e as obrigações que o concessionário terá!!!

E por isso é que fica a pergunta, valerá mesmo a pena concessionar a Linha de Cascais por milhões quando a concessão terá que ser sempre a um prazo longo e os novos investimentos em material circulante e nas infraestruturas serão para um tempo limitado, estando deste modo o estado a contribuir para o enriquecimento de privados que exploram comercialmente material que não é nem mantido nem investido por eles mas pelo estado.

É credível que os custos de manutenção não sejam pagos por quem explora  a concessão mas por um entidade pública, e pagos por todos nós!!! Não será esse cenário a médio prazo um enriquecimento ilícito feito à custa de todos nós?

Sendo actualmente não rentável a sua exploração, até porque e segundo a Presidente da REFER já citado, a Linha de Cascais “perdeu mais de 30 por cento dos passageiros nos últimos anos“. E será mesmo que os privados querem perder dinheiro quando se candidatarem à concessão?

Ou irão tal como os exemplos referidos no Reino Unido e ao primeiro sinal de dificuldade, e já agora quando rentabilizarem o valor da concessão acordado, entregar a concessão e deixar-nos a nós todos como contribuintes a responsabilidade de lhes pagarmos as dividas?

Saudações ecológicas,

.’.SP.’.