Craig Ferguson: como desmembrar um formato televisivo

O mais parecido que temos em Portugal com o formato “late night show” é o “5 para a Meia Noite”: um programa que começa mais tarde, com celebridades como convidados que falam normalmente dos seus trabalhos (filmes, livros, etc), com alguns sketches com piadas, normalmente apresentado por humoristas (ou semelhante), com banda ao vivo e um co-apresentador. E sempre com uma pitada de humor em tudo. Com a diferença que o “5” agora é semanal e normalmente os “late night shows” americanos são diários (com excepção do “Last Week Tonigh with John Oliver” da HBO, que podemos ver na RTP3, que é semanal). Mas já tivemos outros exemplos como o antecessor do “5” chamado “Revolta dos Pastéis de Nata”, o “Cabaret da Coxa” na SIC Noticias ou o “Herman SIC”.

Feita a introdução, muitos canais americanos têm 1 ou 2 (alguns 3) programas deste formato, normalmente uns a seguir aos outros. Não há aqui qualquer tipo de critica. O formato funciona, faz as pessoas rir depois de um dia de trabalho. Mas houve quem, fazendo um programa deste mesmo género, decidiu romper com o que estava pré-estabelecido e até gozar com o formato. E isso tornou o programa muito mais interessante.
Durante 10 anos, Craig Ferguson, um comediante escocês, naturalizado americano já durante o período em que fazia o programa, apresentou o “Late Late Show with Craig Ferguson“. E são 10 anos que ninguém esquece. Em vez de um co-apresentador, Craig tinha um cavalo (que não era mais do que duas pessoas num fato carnavalesco de cavalo) e um esqueleto robot chamado Geoff, que ele dizia ser gay e que inicialmente era mesmo automático, com frases pré-gravadas, mas a certa altura passou a ser controlado por um actor e comediante americano. E ele dizia (mais uma forma de gozar com o formato) que não tinha dinheiro para ter uma banda a tocar ao vivo.
Apesar de haver sempre uma pré-entrevista com as celebridades por parte de alguém da produção, assim que as mesmas estavam sentadas ao lado dele, ele rasgava o cartão com as perguntas e respostas e perguntava o que lhe vinha à cabeça. Chegou a perguntar a alguns se gostavam de pesca ou até se se drogavam. Era o que lhe viesse à cabeça. A nossa conhecida Daniela Ruah foi três vezes ao programa e num deles (porque o Craig não sabia qual era o papel dela no NCIS Los Angeles) ela disse-lhe que ele devia estudar melhor os convidados. E a resposta dele foi simplesmente “Isso é o que outros fazem. Se eu soubesse tudo sobre ti, não tinha a curiosidade de te perguntar o que quer que fosse”. A titulo de curiosidade, o Craig comentou no mesmo programa que já passou férias em Portugal, mais concretamente em Sagres.
Num programa em que Craig foi entrevistado ele revelou que as celebridades vão aos programas do género muitas vezes porque são obrigados contratualmente a promover as séries e os filmes que fizeram. E no programa deles eles sabiam que podiam descontrair, porque iam falar do filme apenas alguns minutos (às vezes segundos) e o restante era conversa de café (às vezes sem nenhum sentido), apenas com o propósito de criar entretenimento televisivo. Outra característica do programa era fazer quase sempre uma introdução (antes do genérico) com alguém que ele ia buscar ao público (e com quem muitas vezes fazia um jogo qualquer só para lhes oferecer um jantar pago pela produção) e um fecho chamado “O que aprendemos esta noite?” em que basicamente ele inventava qualquer piada para fechar o programa (que podia incluir algo que se tivesse passado no mesmo, mas nem sempre acontecia).

A melhor forma de perceber as diferenças é mesmo ver os vídeos do programa (que ainda existe, mas agora é apresentado por James Corden e “colou” de volta ao formato”). No Youtube há entrevistas e mesmo episódios inteiros.

Esta é a entrevista que eu falo acima. Mais uma curiosidade: nesta mesma entrevista ele diz que Sagres é onde o oceano Atlântico encontra o Mediterrâneo e a Daniela, nervosa, nem se apercebeu do erro e concordou. Depois de muitos terem reclamado com ela nas redes sociais, ela corrigiu-o na segunda vez que foi ao programa. Mas, se já viu a entrevista, vai ver se eles falam muito mais de tudo o resto do que sobre a série que ela ia lá promover (“NCIS Los Angeles”) e a Daniela leva quase a entrevista toda a rir.
Recordo-me também que houve um programa em que estava a chover em Los Angeles (onde era gravado o programa) e como chovia dentro do estúdio, o programa foi quase todo sobre a infiltração de água da chuva (pode ser visto aqui), a gozar inclusivamente com o canal de TV. Aconteceu o mesmo quando houve um problema de energia no estúdio.

Quando Craig Ferguson decidiu deixar de apresentar o programa, ele voltou a ser um típico “late night show” (pela mão de James Corden). E deixou de haver um programa que, na madrugada da televisão americana, estava a anos luz de todos os outros, o que despertava a curiosidade em saber “o que é que o Craig inventou para hoje?”. Agora é só mais um, que pode tentar evidenciar-se pela qualidade dos sketches e jogos ou das celebridades que convida, mas não pela diferença, por ser único e original.

Crónica de João Cerveira
Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico de 1990