Morreu mais um ditador

É costume, quando morre um governante ou ex-governante, a diplomacia responder com condolências, especialmente se o mesmo foi eleito democraticamente pelos cidadãos do seu país. É uma questão de cortesia.
Mas isso não acontece com Fidel Castro. Castro combateu ao lado do irmão Raul e de Ernesto “Che” Guevara contra a ditadura de Fulgencio Batista, mas acabou por criar um novo regime, uma nova ditadura. E poderão dizer que Castro chegou ao poder pela popularidade que tinha. É verdade. O povo aclamava os bravos guerreiros que os tinham livrado de Batista. Mal sabiam eles que estavam perante um novo ditador, que hoje se sabe ser responsável pela morte de milhares de pessoas por questões meramente de divergência politica e ideológica. Mas numa descrição objectiva, Castro chegou ao poder nomeado por um governo revolucionário, demitiu-se depois em divergência com o presidente e depois voltou ao poder por aclamação popular (e não por eleições livres) e desde aí nunca mais largou o poder, até a saúde o ter traído e ter delegado os seus poderes no irmão Raul. Grande parte dos cubanos vive com muitas dificuldades (muitos em extrema pobreza), pelo que não é de estranhar que tenham ficado muito contentes (todos em geral, não só os mais pobres) com o reatar de relações entre a Cuba de Raul Castro com os Estados Unidos de Obama. Uma espécie de “primavera marcelista” no continente americano.
Mas isso não apaga da história nem da memória as atrocidades de que os irmãos Castro são responsáveis. Não pode apagar. Serão sempre responsáveis pelo regime ditatorial que instituíram e pelas pessoas que torturaram e mataram. E como eles, muitos outros, como por exemplo, Mao Tsé-Tung, al-Gaddafi, Mubarak, Hussein, Pinochet, Mussolini, Franco, Stalin, Hitler e Salazar.
Por muito que o meu amigo Filipe não goste de ler estas linhas, factos são factos. Salazar não foi eleito. A única vez que Salazar foi eleito foi em 1921 para deputado por Guimarães e, 3 dias depois de tomar posse, fartou-se e voltou a Coimbra onde era professor na Faculdade de Direito. Depois do golpe militar foi nomeado ministro das finanças. Entre demissões e regressos, foi sempre por nomeação dos militares que tomaram o poder pela força que Salazar ocupou a pasta das finanças. E após a constituição de 33, não foi por eleições livres que chegou a presidente do conselho, tendo nessa altura chamado a si todos os poderes da Assembleia e constituído o chamado Estado Novo. Em 45,  cria a PIDE (substituindo a PVDE), que será responsável por, pela censura, perseguição, tortura e várias mortes documentadas, reprimir toda e qualquer oposição ao regime. É a definição de ditador sangrento. E nem a sua mestria no que toca a contas públicas – que muitos historiadores dizem que só foi possível dado à sua amizade com Franco, que desde sempre apoiou, e à recepção e armazenamento do ouro que o governo nazi pilhava aos judeus – apaga os anos de repressão, tortura e morte com a assinatura de António de Oliveira Salazar.
E, já que estou nesta missão de, com a minha opinião, não deixar esquecer factos históricos, convém não esquecer que, no pós 25 de Abril, com Vasco Gonçalves como primeiro ministro e Álvaro Cunhal e Mário Soares como ministros, ainda existiam presos políticos. É outro facto histórico que nenhuma opinião, seja de quem for e por mais ou menos fanática que possa ser, pode apagar.
Que a História nunca deixe esquecer aqueles que, de forma ilegítima, pela força e pelo derramamento de sangue, chegaram e exerceram o poder, seja de que tipo de poder se trate.

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico de 1990