Fotografia a quando do primeiro concurso de Julho de 2007

O projecto Âncora ou como se mascara um buraco financeiro

Na semana passada foi anunciado com alguma pompa mas pouca circunstância um projecto denominado de Âncora, esta crónica visa esclarecer e através disso desmascarar a fraude que é o anuncio de tal projecto, que embora seja sempre benéfico para o ambiente pois irá ter a capacidade instalada de produzir 176 Megawats (v. MW) de energia Eólica a partir de 2016, levanta vários problemas não só em termos de ética nos negócios, como políticos como até de cariz ambiental.

Antecedentes

Resumindo por breves palavras o projecto Âncora, anunciado por este governo como um grande projecto de investimento em energias renováveis é apenas aquilo que em Vulgata popular chamamos de “chover no molhado”, ou seja, anunciar o que já foi anunciado.

Pois é!!! E recuemos até Julho de 2007, nesse mês é anunciado o vencedor do concurso público lançado pelo Governo para a atribuição de 400 MW de capacidade de injecção e dos respectivos pontos de recepção associados à produção de energia eléctrica em centrais eólicas, ganhando o consórcio Ventinvest, praticamente um ano depois em Março de 2008, já era notório que o consócio tripartido entre a Galp Energia – 34% – Martifer – 33% – e a Enersis – com 30% – tinha fortes limitações financeiras e fracas capacidades de atração de financiamento pois tenta o truque de receber duplas ajudas do estado em subsídios respeitantes à parte industrial e à construção das linhas eléctricas que ligarão os parques à rede de alta tensão da REN fazendo uma candidatura a projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN), que entregou junto da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), e que tal candidatura não era vista com bons olhos pelo então Ministério da Economia que previa apenas a ajuda ao investimento num incentivo à tarifa de que beneficia a energia eólica e os pontos de ligação à rede eléctrica.

Desde então e em 2010 a Galp Energia já assume que detêm 49% do consórcio (na página 88 do Relatório de Sustentabilidade da GALP Energia de 2010) e a Martifer que detêm 46,6% (isto na página 26 da Mnews – a revista do grupo Martifer de Novembro de 2010), mais tarde e em Novembro de 2010 a Martifer assume que controla 56,6% da Ventinveste e da potência prevista anunciada, hoje, apenas se conhece a autorização e implantação do Parque Eólico de Vale Grande em Arganil deste modo dos 400 MW atribuidos, apenas cerca de 12 MW.

A resolução de um problema ou o mascarar de um buraco financeiro?

Em 2004, o Germain Submarine Consortium, vence o concurso para que o estado português lhe compre dois submarinos, nessa altura foram negociadas contrapartidas e estas são assumidas pela Ferrostaal que é a líder do consórcio. Muitos  desenvolvimentos torcidos e muitos escritórios de advogados depois e para que esta empresa e o consórcio que liderava pagasse uma ínfima parte do que prometeu até agora e chegou-se a Novembro de 2012 e este governo em nome do “interesse nacional” aceitou um acordo denominado de Projecto Hotel Alfamar em que este consórcio acordava que iria construir na praia da Falésia, no concelho de Albufeira e no valor de 600 Milhões (v. M) de euros um desenvolvimento imobiliário turístico de luxo. mas como seria óbvio tal projecto foi apenas mais um adiamento para que este consórcio em conjunto com os governantes com quem fingiu que negociou contrapartidas em 2004 adiassem a resolução do problema mais uma vez. Em Setembro de 2013 aparece a noticia que estava interessada no projecto dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo nesta noticia em que se devolve o julgamento do caso judicial “Submarinos/contrapartidas” já se reconhecia que surgiram dificuldades na concretização do projecto do Hotel Alfamar, estando a empresa alemã a estudar outras alternativas onde estavam os Estaleiros referidos.

Hotel Alfamar Beach & Sport Resort
Hotel Alfamar Beach & Sport Resort

Deste modo mantinha-se a ficção que sempre foi esta negociação de contrapartidas militares desde o inicio do processo de compra destes submarinos. Em Julho de 2014 é anunciado que o “novo projecto” é o investimento em Eólicas assim e num passe de mágica é anunciado nessa noticia que o Projecto do Hotel Alfamar foi cancelado em Setembro de um qualquer ano transacto, não se sabe se de 2012 ou se de 2013, (mas presume-se que deste ultimo ano), e que foi comunicada à Direcção Geral das Actividades Económicas de que “a viabilidade global do projecto, em particular, a financeira, estava comprometida” e que segundo as diligencias feitas, legal e financeira, este projecto foi considerado “irreversivelmente inexequível”, se quisermos traduzir isto em linguagem financeira: não temos dinheiro arranjem-nos outro.

Mais uma vez surge a Ferrostaal como grande salvadora de um consórcio, o Ventinveste, que aparentemente e com os sucessivos casos de Impacto Ambiental desfavoráveis, primeiro em 2010 do parque eólico de S. Bento (70 MW), que seria construído na área do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e posteriormente em 2012 do parque eólico do Cercal, na Paisagem Protegida da serra de Montejunto (que antes tinha sido aprovado pelo ICNB provocando uma enorme contestação) estaria em dificuldades financeiras razoáveis.

Cartaz contra a construção do Parque Eólico do Cercal
Cartaz contra a construção do Parque Eólico do Cercal

Assim e mais uma vez surge a mão salvadora da Ferrostaal que assume 50% do consórcio em contrapartida de um investimento ridículo de 45 M. euros (calculados pela diferença entre os 175 M. euros emprestados e os 220 M. euros que é o investimento total) e no decurso já notaram que as contrapartidas passaram de 600 M. de euros para 45 M. de euros em dois anos, este governo perdoou 555 M. euros, que mãos largas face às restrições orçamentais que temos!!! Mas diga-se de passagem que o governo acreditando na sua própria ficção refere que o investimento terá um impacto económico de 411,78 M. euros, isto relativo à fase de exploração destes parques eólicos e que para além disso vai salvar muitos empregos que até agora estavam em perigo.

Que mão salvadora a da Ferrostaal, fica com investimentos que irão gerar lucros de mais de 400 M. euros e 50% de um consórcio que vale em investimento total 220 M. euros e isto tudo por 45 M de euros e eis como se mascara um buraco financeiro beneficiando o infrator!!!

Problemas de ética, políticos e ambientais do projecto Âncora

É obvio que esta resolução levanta problemas éticos enormes, com que então um consórcio que está em tribunal por ter burlado o estado é beneficiado desta maneira escandalosa e ainda com o bónus de poder ser absolvido por ter chegado a acordo com o estado – pois sendo um novo acordo revoga o anterior e deixa de haver burla – isto depois de ter sido beneficiado por este!!!

Eis a política no seu máximo cínismo, vejamos em 2004, a coligação PPD-PSD/CDS-PP estava no poder, quem assina o contrato de aquisição e as contrapartidas é o ministro Paulo Portas do CDS-PP, dez anos após esse marco, em 2014 e por um ministro da Economia do mesmo partido chega-se a acordo e beneficia-se o infractor a quem atribuíram a vitória no concurso de venda dos Submarinos!!!

Lobo Ibérico
Lobo Ibérico

Por fim temos os problemas ambientais, conhece-se já cinco dos prováveis locais onde se instalarão os parques e pelo menos um levanta problemas que é o denominado parque eólico do Douro Sul, em Sernancelhe, mesmo que a empresa se defenda a Quercus e a FAPAS (esta ultima organização apenas se alia a casos que sejam muito bem fundamentados tecnicamente) interpuseram em 2009 uma queixa no tribunal Europeu contra a implantação dos 12 aerogeradores previstos. O motivo é apenas um, o facto de o parque se situar no território da alcateia de Lobos Ibéricos de Leomil, no Douro Sul, temos que nos recordar que apenas existem 300 exemplares calculados desta espécie em liberdade e por todo o território nacional e que é só uma das espécies mais ameaçadas do mundo, para além de que o Lobo Ibérico é uma espécie protegida, prioritária para a conservação segundo a Directiva Habitats e considerada ameaçada, em perigo de extinção e em declínio, especialmente devido à sua perseguição directa, o extermínio das suas presas selvagens e a fragmentação e destruição dos seus habitats, mesmo sendo mitigados, não se compreende como é que a Secretaria de Estado do Ambiente emitiu uma DIA – Declaração de Impacto Ambiental – favorável à instalação de um Parque Eólico que tinha diversos pareceres negativos, relacionados com a localização e dimensão do parque eólico e respectiva linha eléctrica, incluindo o do ICNB – Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade – o qual admite que a construção deste parque pode iniciar “de forma irreversível o processo de extinção do lobo a sul do Douro”.

Como veremos ainda ouviremos falar deste projecto nos próximos anos e com grande probabilidade por más razões. Aguardemos então as cenas dos próximos capítulos desta novela que dura à 10 anos!!!