Vermelho que Mata (O Sonho Final)

– Olá Phoebe, como estás?

– Estou bem. Quase que nem acredito que chegámos ao fim.

– Bom, se quiseres continuar sabes bem que podemos seguir com as nossas conversas.

– Não, sinto-me bem. As sessões destes 2 anos ajudaram-me tremendamente.

– Não estás a dizer-me isso só para me fazeres feliz?

– Sabes bem que não, John. Lembro-me bem como estava quando cheguei.

– Sim, tenho muito orgulho em ti, Phoebe. És uma guerreira. Poucas pessoas neste mundo sobreviveriam ao que passaste. Conseguiste recuperar e acima de tudo estás a aprender a viver com o teu dom. Foi-te mais difícil lidares com isso do que ultrapassares o ataque em si.

– Sim, foi mesmo. Quando nos formamos preparam-nos para atacar e sermos atacados, mas realmente para o que veio depois disso, não existe treino nenhum que te prepare.

– Tens um dom, abraça-o. Foste escolhida. E já sabes, sempre que precises estou aqui. Quanto ao resto… Tudo a seu tempo, um dia de cada vez.

– Obrigado John, foste mesmo uma grande ajuda.

– Fica bem, Phoebe e lembra-te, a qualquer hora, qualquer dia, basta ligares. Hoje ao final da tarde deixo a tua declaração de terapia concluída na minha assistente.

– Perfeito. Amanhã de manhã venho cá buscá-la.

  Phoebe saiu do consultório, direta para casa. Por mais simples que tivesse sido a última conversa, saía sempre daquela sala com a sensação de que estava a esconder algo. Nunca tinha conseguido dizer a John tudo sobre o seu dom. Havia falado dos seus sonhos mas nunca os tinha descrito em detalhe. Usara palavras ambíguas e simbólicas quando na verdade o que via era a mais cruel das realidades… via os crimes pelos olhos dos assassinos.

  Cada cena do crime era para Phoebe o reviver de um pesadelo. Inspecionava as vítimas enquanto revia na sua cabeça os últimos momentos de cada uma delas. Cheirava-lhes o medo, sentia-lhes o coração acelerado e o olhar… os olhos gelados e apavorados de quem sente a morte aproximar-se e que a fisgavam como se de uma assassina se tratasse. Esses eram os olhares que tanto a atormentavam. Mas com a ajuda de Mark, médico legista e amigo de longa data, ela tinha aprendido a controlar o seu sonho, a manter a cabeça fria para usar as pistas que lhe eram dadas em cada sonho. Tinha aprendido a abstrair-se daquele sentimento.

  Chegou a casa e abraçou Pit. Vestiu o fato de treino e calçou os ténis. Na sala, Pit espreguiçava-se como quem se alonga para uma corrida.

– Já estás nos alongamentos, Pit? Então vamos lá à nossa corrida que depois tenho de trabalhar.

  Estava um fim de tarde quente. Correu na companhia do seu fiel companheiro até cair a noite. Refrescou-se com um banho frio e abriu uma garrafa do seu vinho preferido. Sentou-se para trabalhar enquanto Pit descansava esticado no sofá. Phoebe pensava melhor em voz alta, e adorava partilhar os seus pensamentos com Pit, pois sabia que ele não os partilharia com mais ninguém.

– Vamos lá então, Pit. Primeiro suspeito. O Ray recolheu imensa informação sobre o Dennis Parker. Ora bem, 31 anos, enfermeiro. A mãe faleceu há 1 mês. Tinha sido diagnosticada há 2 anos com um cancro incurável. Era uma senhora sempre bem cuidada e o único tratamento que fazia era para minimizar a dor, com morfina. Não fez quimioterapias ou operações. Segundo os vizinhos, Dennis era quem cuidava dela e fazia questão de a ajudar a estar sempre com bom aspeto e excelente aparência. Penteava-lhe o cabelo, pintava-lhe as unhas e levava-a a passear no parque. Em interrogatório, o suspeito confirmou conhecer a acetona e tê-la comprado a pedido da mãe. Disse também que odiava o cheiro daqueles produtos, inclusive do verniz vermelho que a sua mãe tanto adorava mas que ela lhe pedia ajuda para se arranjar. O Dennis é enfermeiro, portanto tem acesso a garrotes de latex. Também poderia facilmente aceder às fichas dos doentes e todas as vítimas foram tratadas pelas suas dependências e ainda tinham acompanhamento no hospital onde ele trabalha… Hmm, o que te parece Pit?

Pit solta um uivo prolongado.

– Também me parece Pit. Vamos agora à Joanna Quaid, a segunda suspeita. Tem 28 anos e trabalha por conta própria como esteticista e manicura, o que explica a compra das duas embalagens de acetona. É solteira, vive sozinha e os vizinhos não nos deram quase informação nenhuma. Cresceu com a mãe, que morreu com uma overdose de heroína quando ela tinha 20 anos. Da minha conversa com a avó da Joanna, fiquei a saber que a mãe começou, bastante cedo, a ter problemas com drogas e que Joanna foi fruto de um dos muitos casos pontuais que ela tinha com variados homens para sustentar o vício. A mãe tinha por hábito levar os homens para sua casa onde vivia com Joanna, nunca se preocupou com o ambiente em que a filha crescia…A avó ainda tentou ficar com a custódia alegando que a filha se injetava mas parece que um dos avaliadores era “cliente” da filha. O Ray está à espera da aprovação para um mandato de busca à casa de Joanna. No interrogatório com o Ray e a Dra. Martin que se encontrava também na sala, Joanna disse que a mãe pintava as unhas de vermelho nas noites em que saía para seduzir. A Dra. Martin descreveu-a como uma jovem muito reservada e descuidada… e é esteticista… quase contraditório, não achas, Pit?

O telefone toca…

– Phoebe, consegui o mandato. Amanhã de tarde vamos lá.

– Excelente Ray. Eu fiz uma marcação para as 10 da manhã com a Joanna porque gostava de a apanhar num ambiente mais descontraído, dado que ela não me conhece. Depois espero por ti para fazermos a busca.

– Ok, Phoebe. Até amanhã.

  Phoebe terminou o seu copo de vinho e deitou-se no sofá para descansar um pouco. Pit aninhou-se a ela.

  Poucas horas depois acordou sobressaltada e pegou no telefone.

– Mark, desculpa acordar-te a estas horas. Sei que é tarde.

– Olá Phoebe, não faz mal miúda. Tiveste outro sonho?

– Sim… mas desta vez foi diferente. Era eu Mark!

– Como assim eras tu?

– Era eu Mark. Eu era a vítima!

– Mas que merda! Como é possível? O que vais fazer?

– Não sei… Não consegui controlar-me. Quando me vi entrei em pânico. Uma coisa é certa. Acho que é desta que descubro se estas premonições do futuro podem ser mudadas.

– Porra, Phoebe… Agora estou preocupado contigo. Não queres vir ter comigo?

– Não é preciso, Mark, Obrigado. Vou tomar um banho e passear com o Pit. Daqui a umas horas também tenho de passar no Hospital para ir buscar a declaração do Dr. John e depois vou arranjar as unhas.

– Pronto, ok. Tu é que sabes. Se mudares de ideias sabes que tenho o sono leve. Vemo-nos mais tarde no sítio do costume?

– Sim, vou ter ao teu frio gabinete. Devias arranjar uma salinha mais acolhedora. Aquelas gavetas e aquele gelo provocam-me arrepios na espinha.

– Vou ver o que se arranja, Phoebe. Beijos, fica bem.

  Tomou banho, bebeu café e saiu com Pit para darem uma volta pelo mato. Regressaram 2 horas depois, despediu-se de Pit como sempre fazia, e arrancou para o seu destino.