25 de Abril: valores que perduram

Desde que tive informação, conhecimento e consciência dos factos que me assumo de esquerda. Mas não esquerda radical, nem qualquer esquerda partidária. A minha preferência é pela esquerda democrática, mas ponderada. Dito isto, penso que os valores de Abril – que vão muito além da indesmentível e inalienável liberdade – devem perdurar. Mas desenganem-se aqueles que pensam que Abril, tal e qual como o foi em 1974, poderia existir agora.

O Estado de Direito Social foi uma grande conquista. Mas o Estado de Direito Social tem de ser profundamente reformado, reestruturado, para poder sobreviver nos tempos de hoje. Porquê?
Desde logo pela demografia. Nas gerações anteriores, as famílias eram numerosas, os casais tinham vários filhos. Hoje em dia, muitos casais não têm filhos e aqueles que têm normalmente têm 1 ou 2 filhos, no máximo. Isto significa que há (e continuará a haver nos próximos anos) muito mais gente a receber prestações sociais (pensões/reformas, subsídios, etc) do que aqueles que vão estar a contribuir para o sistema. Isto porque nós temos o sistema solidário “pay as you go“, isto é, quem trabalha agora desconta para pagar a quem já atingiu idade da reforma ou está a receber qualquer outra prestação (por doença, desemprego, invalidez, etc). E para terem uma ideia, mesmo que a taxa de desemprego fosse zero e toda a população activa estivesse empregada, continuariam a ser menos a contribuir do que os que recebem. Alguns países têm um sistema de reserva, em que a segurança social funciona como uma espécie de banco, que recebe as contribuições de quem trabalha, não as gasta, apenas guarda (eventualmente pode colocar as mesmas em instituições bancárias de forma a render juros), para mais tarde as devolver, quando os contribuintes atingirem a idade de reforma. Como é que se passa de um sistema para o outro? Seria catastrófico para o sistema actual nos primeiros anos, mas com esta taxa de natalidade não vejo outra solução. Teríamos de nos endividar agora para garantir que, no futuro, quem desconta para a segurança social tenha a garantia de ter reforma.

A única iniciativa relevante nesta área que me recordo foi, numa das legislaturas de José Sócrates, a reforma do sistema de segurança social, com redefinição de algumas regras de atribuição de certas prestações (como o abono de família), com regras mais restritivas, para beneficiar quem realmente necessita do apoio do Estado e que, teoricamente, garantiria a sustentabilidade da Segurança Social até 2025. Seria uma realidade se a presente legislatura não tivesse uma politica criadora de desemprego e não tivesse usado dinheiro de um fundo do sistema de segurança social para pagar dívida pública.

Depois, nós temos uma rede de saúde, ao contrário do que muitos pensam, muito boa, quando comparado com a maior parte dos países com sistema semelhante. O nosso SNS, apesar de todos os seus defeitos, é dos mais eficazes e de maior qualidade que podem existir. Basta pensar que Obama pretende implementá-lo nos EUA (adaptado à realidade americana, claro) e que há países que procuram, com muita frequência, os nossos profissionais de saúde. Comparem pela ratio (relação) qualidade vs. preço com outros países e verão. Mas sai mais barato ao utente, mas não muito barato ao contribuinte. Neste sentido: o SNS sai muito caro ao Estado (ou seja, a todos nós contribuintes), para poder sair mais barato ao utente. E se a saúde pública não tem preço e não é suposto o SNS ter lucro, também não é suposto ter prejuízo abissal. Daí que é necessário reformar o SNS mas sempre – sublinho, sempre – pelo lado do controlo do desperdício. Não é desperdício os salários dos profissionais de saúde, não é desperdício os medicamentos e equipamentos necessários ao auxilio aos doentes. Mas pode ser “mega edificios” hospitalares, cuja manutenção é superior ao beneficio que trazem às populações, com médicos especialistas de especialidades não procuradas pela população no raio de acção do mesmo, com meios que não são usados e poderiam ser noutro ponto do país. Poupar-se ia mais na rentabilização dos meios, colmatando as excepções com uma rede eficiente de transportes (por exemplo, colmatar o encerramento de uma especialidade que tem 1 ou 2 consultas por semana em média, com o transporte gratuito dos utentes para uma unidade de saúde no máximo a 50 km que tenha) e na melhoria da sua eficiência.  Em suma, SNS sim, sem dúvida. Mas, para subsistir, tem de ser mais eficiente, fazer mais com menos dinheiro, mas não há custa dos doentes e dos profissionais de saúde.

Para terminar, a educação. A Constituição fala em sistema de ensino tendencialmente gratuito. De acordo, pois, tal como a saúde pública, a educação não tem preço. A evolução social e económica só se faz com a formação dos cidadãos e a forma mais eficaz é através da escola pública, desde o pré-básico até ao superior. Mas voltamos ao mesmo: a factura a pagar pelo Estado (todos nós, contribuintes) é enorme. Então a minha opinião/sugestão é apostar na educação e ciência, mas usá-la a nosso favor. Vamos colocar as Universidades – cada vez mais, pois há muitas que já o fazem diariamente – com dois principais objectivos: promover a formação e promover a eficiência das instituições do Estado (todas elas). Todos temos a ganhar em ter gerações bem formadas e em ter investigadores a estudar soluções que promovam eficiência (e consequente poupança) dos sistemas de saúde, de segurança social, educativo e até da administração pública. Quanto às propinas, sendo completamente honesto, enquanto o Estado, como um todo, não for mais eficiente, não será possível baixar as mesmas ou até mesmo extingui-las. Mas a não é impossível a médio, longo prazo.

Tentei sintetizar num (já longo) artigo de opinião um tema que está longe de ser simples. É, pelo contrário, complicado e complexo. E não depende só de nós. Pensem que, até 2008, tínhamos crescimento económico e que, de um momento para o outro, uma crise provocada pelo sistema bancário e financeiro mundial, arrastou-nos para o “lixo” das agências de rating (com o puro intuito de render juros aos especuladores).
Mas fica o essencial da minha opinião: (valores e conquistas do) 25 de Abril, sempre (mas com mais eficiência, aliada à qualidade e rentabilidade)!

 

Crónica de João Cerveira

Diz que…