O Cerco de Lisboa (1147)

O Cerco de Lisboa de 1147, que culminou a 21 de Outubro de 1147, foi um acontecimento que revirou a sociedade? Como? Porquê? Como se encara a realidade do papel da história?

“Já se sabe que uma forma moderna de encarar a História não pode prescindir da reconstituição das estruturas (que utilizam dados colhidos prevalentemente nos níveis económico, social ou mental) nem de propor uma interpretação que permita atribuir um sentido e uma coerência aos fatos enumerados por meio de uma simples descrição”(Mattoso, p.23).

Deste modo, a realidade histórica não é constante, predomina cortes cronológicos e espaciais que a sua análise permite. Os acontecimentos políticos não apresentam apenas uma opção de hierarquia interpretativa da História. Contudo, como se pode compreender os acontecimentos importantes da historiografia portuguesa? Para a sua compreensão devida, importa incluir a valência económica, social ou mental.

Antes de relatar de que forma o cerco de Lisboa determinou a formação do novo reino, importa referir os antecedentes deste real acontecimento, que posicionou D. Afonso Henriques face à Santa Sé e à emergência de uma nova unidade política.

Entre Julho de 1139 e Maio de 1140 é marcante a evolução da soberania de D. Afonso Henriques enquanto figura régia. A consolidação da sua autoridade permitiu a transmissão do título e a independência, no entanto, foi a capacidade militar que reforçou e assegurou um território amplo, para se tornar um “reino” com várias províncias.

Até 1143, a vassalagem de Afonso Henriques ao Rei de Leão não permitia consolidar uma autonomia interna. Depois do Tratado de Zamora, 5 de Outubro de 1143 há um claro reconhecimento de Afonso Henriques como Rei de Portugal, no entanto, requereu-se o juramento de vassalagem ao seu primo, Rei D. Afonso VII.

É de ressaltar que o princípio do século XII destaca-se pela eclosão das formações nacionais no espaço ibérico cristão, isto é, houve uma mutação no processo de apropriação dos poderes de natureza pública, extra-económica, e a sua utilização na gestão e organização dos domínios e senhorios por parte da aristocracia nobre.

Neste aspecto de fragmentação do poder político, existe uma compensação com a articulação dos poderes entre o Rei e os senhores. “À partida, o rei surge (…) como um poder externo, o garante ideal da paz e da justiça, com o qual é necessário pactuar em boa parte para garantir a subsistência” ( Mattoso, p.15)

Nesta linha de raciocínio, o que pretendia D. Afonso Henriques com o domínio da linha do Tejo? A conquista da linha do Tejo permitiu o reforço da ofensiva portuguesa. Lisboa era tida como uma cidade cosmopolita e fulcral para o comércio da região, tomando-se como uma “porta” ao comércio internacional, sobretudo do Norte de África e do Médio Oriente. Deste modo, para estruturar a cidade teria que organizar paralelamente a administração e a defesa.

A conquista de Lisboa em 1147 foi uma tentativa de sucesso de domínio da região moura? Apesar desta data remarcar oficialmente a Reconquista Cristã, D. Afonso Henriques (O conquistador) e a força militar dos Cruzadas cercaram a cidade de Lisboa  no período entre 1140 e 1411. No entanto, não se conhece a real razão para qual somente cinco anos depois, com a conquista de Santarém, é cercada a cidade cosmopolita.

De acordo com uma vasta leitura historiográfica, é referido que D. Afonso Henriques tenha preparado uma ofensiva de Santarém e Lisboa.  A capacidade estratégica antecede à conquista de Santarém, em que se revê o auxílio dos Cruzados; esta cidade foi cercada a 15 de Março de 1147.

De acordo com o Historiador José Mattoso, o cerco de Lisboa durou 17 semanas, sendo que terminou com a vitória cristã em 14 de Outubro de 1147.  D. Afonso Henriques tinha a presença leal de D. João Peculiar, o que se mostrou decisivo na consolidação do Tratado de Zamora mas também no cerco de Lisboa.  Transmitiu a necessidade clara de proceder a restauração das três antigas dioceses, pertencentes à metrópole de Mérida.

No entanto, a data de 25 de Outubro de 1147 é a data oficial, e ressalta o cerco de Lisboa e também a conquista aos Mouros. Porquê? Porquê conquistar uma região dominada pelos Mouros? A resposta advém da evolução sem precedentes da religião católica, por consequente da invasão da Segunda Cruzada. D. Afonso Henriques tinha o auxílio dos Cruzados que tinham em vista a Reconquista Cristã na Península Ibérica.

Como é que o D. Afonso Henriques enraizou a sua política eclesiástica? Das mais importantes medidas antecede à conquista de Lisboa: a vassalagem à Santa Sé em 1143. Por conseguinte, depois da conquista de Lisboa, fomentou a nomeação dos Bispos de Lisboa, Lamego e Viseu. Esta política remete à importância de D. João Peculiar, que dominou completamente durante o reinado. No fundo, interveio junto à Santa Sé durante as suas viagens à cúria pontifícia na questão de administração metropolitana sobre todas dioceses portuguesas.

A conquista de Lisboa reflecte a futura política de reorganização de D. Afonso Henriques. Como é feita a reorganização municipal e administrativa? De uma forma sucinta, revela-se por três aspectos: repovoamento e reorganização concelhia, fortalecimento das unidades municipais, e a política eclesiástica.

No entanto, a grande investida de D. Afonso Henriques à cidade de Lisboa e a consequente formação do novo reino não resultou de imediato na concessão de forais. Da política de reconquista afonsina, a cidade de Évora usufruiu do Foral em 1166 tendo em vista a sua defesa militar, visto que ainda se reflectiam algumas tensões. Dessas circunstâncias é de referir que, para a segurança da cidade de Lisboa, concedeu privilégios especiais aos cavaleiros de Sintra em 1154. No fundo, a cidade foi reconquistada mas houve sempre uma política defesa estratégica face ao ataque inimigo.

Cerco de Lisboa por Roque Gameiro

Quanto aos dados documentais referentes à actividade marítima, de acordo com o Historiador Marco Oliveira Borges revela-se pela escassez e fragmentação. Porém, determina que existe informação desconhecida, que possivelmente conjugada com recurso ao reconhecimento de geografia costeira, permite conceber um cenário à operação estratégica militar à tomada de Lisboa.

De acordo com o Director do Arquivo Municipal de Torres Vedras, Carlos Gualdado Silva, Lisboa não se descurou do seu papel face à Cristandade e reafirma a posição do Rei D. Afonso Henriques: “A conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques e a sua colocação sob domínio cristão, em 25 de outubro de 1147, integrava então a cidade de Lisboa nos limites do “reino”, a que chegava o poder do jovem rei, que começava a encarnar as noções de Estado e de soberania (…) (p.1)”

Tanto o Historiador José Mattoso como o Historiador Marcos de Oliveira Borgues reforçam que Lisboa já tinha sofrido uma investida das forças cruzadas entre o período de 1140 e 1142. D. Afonso Henriques consegue o apoio armado necessário para a tomada de Lisboa com o envolvimento de uma poderosa frota de cruzados.

O Historiador Marcos de Oliveira Borges defende que o poder naval islâmico estava aquém das expectativas e remete à falta fulgor, marcante noutros tempos. Em 1147, o sistema de defesa islâmico teria começado a ganhar formato com os primeiros ataques nórdicos, e já estaria fragilizado. No fundo, defende que a costa estava exposta ao perigo e ao movimento marítimo das cruzadas.

Em suma, o Cerco de Lisboa tem ainda muitas lacunas por descobrir. Nesta conjuntura marcadamente política, revê-se a participação dos cruzados muito cedo e também uma tentativa por parte de D. Afonso Henriques de “arrumar” o território envolvente à cidade de Lisboa. Neste sentido lato, é também importante a conquista de Santarém no decurso da formação do novo reino.

 

Fontes bibliográficas:

  • Mattoso , José, (Coord), 1993, História de Portugal, A Monarquia Feudal (1096-1480), Círculo de Leitores
  • Borges, Marcos Olveira (2013)  Em torno da preparação do cerco de Lisboa (1147) e de uma possível estratégia marítima pensada por D. Afonso Henriques, História. Revista da FLUP. Porto, IV Série, vol. 3 -123-144
  • Silva, Guardado da, 2013, Lisboa: da cidade de fronteira à afirmação da capital do reino: 1147-1383, Disponível em: mhttp://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/30034/1/Lisboa_da_cidade_de_fronteira_a_afirmacao.pdf