A vida continua

Aproxima-se o dia litúrgico dedicado aos mortos. Aqueles que se afastaram do nosso convívio, mas em face da forma como influenciaram as nossas vidas conquistaram o estatuto de merecerem ser recordados com eterna saudade.

Foi instituído pela Igreja católica no século XIII e desde então a cada dia dois de novembro, todos os anos acorrem aos cemitérios, para prestarem homenagem e deporem flores nos túmulos dos seus entes queridos, os milhares de pessoas a quem nem todas as flores existentes no mundo que simbolizam o amor, bastariam para exprimir o que sentem.

Deslocam-se a pé ou de carro, em transportes públicos ou à boleia de amigos, em grupo ou individualmente em representação dos familiares que não puderam estar presentes, fazendo crer de que aos que partiram desejariam ter tido em sua companhia mais tempo.

Vão sobretudo de manhã, mas é ao entardecer em casa, quando ficam sós no recesso do lar, que a tristeza deles se prolonga e, até onde é possível ir, deixando-se levar por ela, por não terem pressa de voltar a uma triste realidade.

Varrem-se das folhas caídas as sepulturas, como se quisesse apagar-se da memória qualquer vestígio da dor sofrida e renovando a água das jarras, enchem-se os canteiros de flores que foram colhidas há um par de horas mas ali ganham uma nova vida.

De olhas vago, é como se sobre algumas pessoas, o sol projetasse uma sombra que lhes cobre o rosto como um véu. Passam de semblante fechado como se do presente não possam vir a guardar uma melhor lembrança do que do passado e, às duas por três, dão por si conversando do tempo com quem passa e que talvez lhes possa explicar que depois de uma violenta tempestade vem sempre um período de bonança.

Quem dera a todas não marcarem presença naquele dia num cemitério e bastar-lhes que, para demonstrarem amor por outra pessoa, pudessem não sair de casa ou simplesmente se limitassem a fazer um telefonema.

Irem até ao quarto ou, sem pôr os pés dele para fora, responder com um beijo na boca ao apelo de quem dorme connosco para nesse dia chegarmos atrasados ao emprego.

Estou em crer que em igual medida, a todos importa velar os seus mortos. Tanto aos que, ainda de luto vestidos, o negro reflete o desespero que atravessa a alma, como a quem das fraquezas já fez forças para superar a dor inicial e percebeu que a perda de quem se gosta pode ser terrível e ser muito difícil seguir em frente, mas a vida continua.