Às mulheres deslumbrantes em biquíni

Todos os anos é a mesma merda. Procissão dolorosa às lojas de biquínis, fatos de banho e acessórios. Todos os anos mastigo a autoestima, derrubo a minha culpa de um ano inteiro de desculpas e desleixo, de exercício físico no sofá e dos típicos empanturramentos de batatas fritas e chocolates xxl ( sim, eles existem e são uma delícia ) para compensar sentimentos nefastos sobre mim mesma.

Ainda nem saí de casa para procurar o “biquíni perfeito” e sou bombardeada com publicidade, anúncios, lojas com promoções online, sites que ajudam a escolher o trapo que encaixa melhor num corpo como o meu. E assim, à primeira vista, acho maravilhoso, modelos sem um pingo de gordura nem um milímetro de celulite exibem em fotografias tratadas com photoshop o meu biquíni, uau é tão bonito, fica tão bem, o peito encaixado nas copas do sutiã, o rabo bem assente na pequena cueca, é o máximo…no meu corpo é que não, não obstante a uma visão dolorosa da realidade e como se a internet adivinhasse os meus pensamentos, no cantinho da página dos biquínis para mulheres que não existem, tem um acesso para um site a transbordar de excelentes conselhos para emagrecer, emagrecimento ultra rápido, uau, o que poderia eu querer mais? Não tenho corpo para aquele biquíni às bolinhas amarelas que a blogger não-sei-das-quantas usa? Não há problema Sandra, cumpres à risca os conselhos deste site fantástico e numa semana tens o corpo com que sempre sonhaste e desejaste…

Vou às lojas…a muitas lojas…experimento fatos de banho, biquínis, triquinis, cueca alta, baixa, sutiã sem copa, com copa, almofadado, preto, às cores, às riscas, às bolinhas, aos quadrados, simples, com desenhos, olho para os trinta espelhos que existem nos provedores onde conseguimos visualizar todas as partes do nosso corpo, as partes boas, as mais ou menos, as zonas francamente más e as que já não têm solução e constato que pelo menos tenho uns olhos bonitos…não compro nada, vou para a praia com a mesma vestimenta do ano passado que logicamente já não me serve. Ainda pensei perguntar à funcionaria se havia algum biquíni que tapasse a celulite, as estrias, as varizes, a flacidez e sobretudo a vergonha mas não o fiz, poupei a senhora a uma questão de foro existencial, o trabalho dela já é suficientemente aborrecido.

Chego à praia e respiro fundo. Puta que pariu, é só gajas boas aqui, podemos mudar de praia por favor? Enquanto desenrolo a toalha e arrumo os panados e as batatas fritas no saco, já o companheiro se baba pela tipa de fio dental com o rabo espetado ao sol, baba-se por um cu que não é dele, fantástico, posso enfiar a minha cabeça na areia? Já que a dignidade há muito que se encontra enterrada.  Enquanto molho os pés na água tento encontrar um equilíbrio entre o que penso e o que vejo, será realmente necessário tanto caos mental por causa dum biquíni? Faz assim tanta confusão a celulite? Tenho de me equiparar constantemente a outras mulheres? Não sou eu que prego Sermão, qual Padre António Vieira qual quê, sobre as mulheres se preencherem de amor próprio? Então que merda é esta que estás a fazer Sandra?

Eu nunca serei uma Carolina Patrocínio, muito menos uma Rita Pereira, não posso esbanjar um corpo perfeito a bordo de um iate porque eu não sou a Georgina Rodríguez, não sou nenhuma Digital Influencer que ganha centenas à custa de publicidade sobre um produto estupendo para emagrecer que não é para a minha bolsa, eu sou a Sandra, uma mulher comum, a mulher que corre diariamente à beira rio, a mulher que não usa base para se sentir bonita, a mulher que é mãe e por isso viu e vê o seu corpo transformar-se dezenas de vezes, a mulher que chora ao ler Saramago e ri da escrita sarcástica de Eça de Queiroz, a mulher que ouve música dos anos 80 e não resiste a uns passos de dança, a mulher que trabalha, que estuda, empenhada, sensível e resiliente…a todas nós, mulheres comuns, um bem haja, às mulheres deslumbrantes em biquíni!