Atestado Médico de Incapacidade Multiuso: Um Documento Inclusivo?

“O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua (…) .”Artigo nº 73, “Constituição da República Portuguesa”

Actualmente há uma política de consciência da necessidade estímulos e  incentivos, no que diz respeito à inclusão social dos cidadãos portadores de deficiências, seja física ou mental. No entanto, existem determinada burocracias exaustivas. Na lei estão contemplados direitos que têm de ser respeitados. Porém, no que respeita à inclusão da deficiência estão emaranhados de procedimentos exaustivos, que determinam a desistência de muitos indivíduos com deficiência, seja pelo “stress” emocional causado ou pelo valor orçamental comportado para adquirir o seu direito!

De acordo com o Portal do Instituto Nacional de Estatística (INE) o número de beneficiários aumentou nos últimos 20 anos. Há uma subida constante até 2016 do número de pessoas que requerem a bonificação por deficiência. Deste modo, revê-se também uma mudança de mentalidade face ao requerimento de subsídios.

“O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade (…) Artigo nº 71, Constituição da República Portuguesa

Daqui revelo a importância do atestado médico de incapacidade de multiusos. Em primeira vista, pode parecer uma medida facilitadora, de forma a adquirir um meio para atingir um fim, sobretudo com a isenção de pagamento de taxas moderadoras, mas na prática apresenta problemas. Todos nós gostamos de pagar menos por determinados serviços. Ninguém gosta de pagar mais por uma consulta de rotina. Por exemplo, ir a uma consulta de determinada especialidade custa entre 7 a 12 euros, dependendo da unidade hospitalar.  Se tiver direito à isenção, dependendo da situação familiar, facilita o orçamento destinado para a saúde. O real significado do atestado médico de incapacidade de multiusos passa por ser um documento comprovativo da incapacidade física ou mental e do seu grau. Na teoria parece ser francamente justo, e que promove a integração social de indivíduos com deficiência. Porém o caminho dos procedimentos que têm de ser ultrapassado para obter os seus próprios direitos é angustiante para quem precisa de uma pequena parcela de ajuda face às despesas diárias. Assim, de uma forma muito sucinta, basta passar por quatro procedimentos para adquirir o atestado médico de multiusos! Dito desta forma, parece completamente simples!

1 – Requisitar relatórios de especialidade da deficiência em questão. No caso de ser seguida por uma equipa de diversas especialidades será determinante também ter uma prova dos efeitos alusivos à incapacidade.

2 – Dirigir-se ao centro da área de residência e requer uma marcação de uma junta médica para avaliação das suas capacidades.

3 – Aguardar resposta do requerimento da realização da junta médica (60 dias)

4- No dia da Junta Médica levar todos os relatórios médicos e meios auxiliares de diagnósticos de condição de incapacidade.

5- Dependendo do resultado do atestado de multiusos, informar a Segurança Social.

Deste modo, como já ratifiquei, parece muito simples de adquirir, no entanto, requisitar relatórios de especialidades é um processo moroso dado que requer disponibilidade por parte dos médicos para facultar o dito documento, bem como o processo de marcação de exames. Actualmente, como é sabido, marcar um exame no Hospital é uma “dor de cabeça!”.  Só para fazer as análises, as pessoas esperam no mínimo 2 meses (dependendo das localidades).

Passado para o 2º ponto, dirigir-se ao centro da área da residência. Em termos de logística é um benefício de transportes, contudo há uma sujeição plena ao horário curto deste tipo de serviço! Passando ao 3º Ponto, aguardar resposta do requerimento pode ultrapassar os 60 dias.  Por fim, passando para o 4º e 5º, pode ser feito tudo no mesmo dia visto que a consulta da junta médica é composto por três profissionais de medicina geral, e não ultrapassa os 15 minutos de avaliação! Não é preciso diálogo.

Deste tempo dentro do consultório, a imagem inicial é intimidativa, porém, ao longo da conversa transparece mais uma conversa de café, a qual se discute a incapacidade física por meros números de um relatório. De seguida é determinante a soma dos valores do relatório primacial face aos restantes quatros também válidos para analisar. Por fim, o computador redige a percentagem de incapacidade! Simples, não é? Aqui está o grau de incapacidade válido para adquirir o atestado.

Atenção! Se for inferior a 60% não têm direito a qualquer tipo benefício. Se for acima de 80% até pode ser válido ter um subsídio mínimo para as despesa de saúde. Um computador que soma valores e dá percentagens têm maior primazia face a especialistas nas área de incapacidade!

O direito à protecção da saúde constante no artigo 64º é realizado na teoria:  Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.”  Está em vigor? Está regularizado num sistema de saúde sem falhas?  Ter uma deficiência da qual resulte um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, devidamente certificada apenas pela Junta Médica é uma prática que desvaloriza o esforço diário de milhares de pessoas com deficiência e também do trabalho de médicos de especialidade.