Como cabras e mosaicos podem ajudar no combate aos incêndios – Bruno Neves

Agora que o verão terminou é tempo de por um lado fazer o balanço dos fogos que ocorreram este ano e por outro começar a preparar o verão de 2014. Sim, porque os incêndios previnem-se é no inverno e não em pleno verão. Aí resta-nos reagir e rezar para que as labaredas e o vento sejam misericordiosos e que os bombeiros tenham sorte e os meios técnicos para desempenhar um bom trabalho. Este foi um ano absolutamente negro: perderam-se demasiadas vidas e demasiados hectares de floresta para que agora nada seja feito, ou pelo menos repensado.

Existem poucos pontos onde todos concordaremos no que aos motivos para tal descalabro aconteça ano após ano, mas um deles certamente que é a deficiente limpeza das florestas e matas deste país. E é necessário desfazer desde já um dos grandes mitos a este respeito: é verdade que se nos compete a todos nós tratar da limpeza das nossas propriedades também compete ao Estado fazer o mesmo, contudo a verdade é que o Estado é dono de apenas 2% da totalidade das florestas e matas do país! Sim, leram bem: 2%! As autarquias e as comunidades locais são donas de outros 6%. E a maior fatia desta equação é de 92% e está nas mãos dos privados! Se é certo que o Estado não cuida da melhor forma do que é seu não é menos verdade que “nós” não somos ninguém para criticar a partir do momento em que tratamos aquilo que é nosso de igual forma!

Mas felizmente nem tudo é mau e existem algumas empresas que estão atentas a este nicho de mercado e apresentam soluções igualmente inovadoras e eficazes. Na aldeia de Piodão (concelho de Arganil, Serra do Açor, na Beira Interior), 2000 hectares de baldios com floresta da Associação de Compartes da Freguesia do Piodão estão a ser geridos com um rebanho de 300 cabras pela empresa de projectos florestais Silviconsultores, através da sua marca Caprinus & Companhia. Tudo funciona com base num contrato de gestão de activos biológicos, ou seja, os proprietários florestais entregam à empresa os animais e recebem uma renda anual da Caprinus que passa assim a ser responsável pela manutenção em boas condições sanitárias e pela valorização de todo o rebanho. No fundo é uma espécie de depósito em que a renda é fixada com base no valor da aquisição dos animais e o proprietário opta por recebê-la em dinheiro ou em produtos originários da exploração do rebanho (como carne ou queijo).

Projectos do mesmo género vão ser lançados muito em breve num baldio de 500 hectares no concelho de Mêda (distrito da Guarda), e em Gavião (distrito de Portalegre) através de uma parceria com a Associação de Produtores Florestais de Belver que gere uma Zona de Intervenção Florestal (ZIF) com 3000 hectares e 600 proprietários. A ZIF é uma área territorial contínua e delimitada, constituída maioritariamente por floresta, que reúne várias propriedades e é gerida por uma única entidade, sendo submetida a planos de gestão e de intervenção.

Mas existem outras alternativas, como o comprova a Associação Florestal da Beira Serra (CAULE) a primeira a criar uma ZIF e que hoje detém quase 10% da área de ZIF de todo o país e 30% dos 20.700 proprietários florestais aderentes. A alternativa dá pelo nome de “mosaicos de gestão de combustíveis” ou simplesmente “mosaicos”. Basicamente são áreas previamente delimitadas para a realização de limpezas florestais, escolhidas em função do histórico de incêndios, do coberto vegetal e dos índices de perigosidade. Cada mosaico funciona como um corta-fogo, e tem entre 30 e 40 hectares.

A prova da eficácia desta medida pôde ser comprovada no passado mês de Agosto quando um incêndio em Oliveira do Hospital queimou 800 hectares de floresta. Isto até encontrar um mosaico pela frente. Se aquele mosaico não existisse sabe Deus onde parariam as labaredas e quais as consequências de tal incêndio. Este projecto é desenvolvido em seis concelhos e o objectivo passa por intervir em 20% da área florestal até ao final de 2014.

Segundo o Ministério da Agricultura e do Mar (MAM) no que diz respeito à actualização do cadastro territorial o projecto-piloto lançado em 2011 nos concelhos de Ponte de Lima, Góis e Vouzela apresentou “constrangimentos técnicos e financeiros que ditaram o seu abandono”. Ou seja, faltou o dinheiro. E vontade também, muito possivelmente. O MAM revelou ainda que foram até agora constituídas 161 ZIF, que abrangem uma área total de 846.127 hectares, 57 organizações de produtores florestais e sete empresas privadas. E foram canceladas 87 ZIF por vontade dos promotores ou por incumprimento da legislação.

O principal objectivo deste texto era provar que existem alternativas viáveis que permitem não só limpar as matas e florestas deste país mas também retirar daí riqueza. Dizer “se o estado não limpa as suas florestas eu também não limpo as minhas propriedades” é claramente um dos maiores erros da sociedade actual. Quando é que a sociedade vai perceber que ao não fazer o seu trabalho apenas se está a prejudicar a si própria, aos seus bens e mais importante de tudo, às vidas humanas (não só as dos proprietários das habitações, mas também as dos soldados da paz que tanto se esforçam por combater as chamas)? Se queremos ter um verão de 2014 descansado e sem incêndios é melhor começar a trabalhar desde já. Olhem que quem vos avisa, vosso amigo é!

Boa semana.
Boas leituras.

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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