A Culpa é da minha Religião!

Gosto de escrever com tempo e paciência: ler, reler, escrever e reescrever, acrescentar baboseiras, vírgulas e irónicos parêntesis, apagar pontos finais secos e desemchabidos ou simplesmente para me rir da minha (humilde) genialidade!  Esta semana não consegui. Não tive tempo e,  desde já,  peço desculpa a todos os que estão a ler esta crónica tão pouco pensada e refletida, escrita hoje em cima do joelho… mas a culpa é da minha religião que remonta ao século XIII!

Desengane-se quem pensa que estou só a encher chouriços, a fugir do meu compromisso enquanto cronista ou a desmarcar-me de qualquer tipo de (ir)responsabilidade! Não é nada disso. Os festejos anuais a que estou sujeita por pertencer ao grupo que louva e adora este deus iniciaram-se na sexta-feira e terminaram ontem à noite; há que aceder àquilo em que acreditamos! A minha doutrina é diferente da maioria de vocês mas igual à de milhares de pessoas que anualmente se juntam para,  criteriosamente, obedecer aos mandamentos que nos regem ao longo do ano. Há muitas tradições a que estamos sujeitos, muitas orações,  cantares e hinos para decorar,  muitos ritos que não podemos falhar,  romarias a lugares aos quais pertencemos e danças a quatro tempos que não podemos errar. Neste beato e devoto amor não há ninguém que se auto expluda ou expluda com outrem; a única coisa que, eventualmente,  pode não aguentar, vacilar, ceder e rebentar é mesmo só o fígado destes submissos crentes: de cada um dos seguidores que, tal como eu, não teme essa dolorosa rutura física pelo bem maior e superior que é esta tão esperada altura do ano!

Ao longo de centenas de anos, eu e os meus, fomos criando arqui-inimigos que se deixam levar e comandar pela ira, pela raiva e pela inveja deste dominante império que construímos com tanto suor (a saltar, pular e sambar); dedicação (porque é preciso muita para conseguirmos atravessar multidões de pessoas tresloucadas com quatro cervejas na mão e sem derramar uma gota de espuma!); lágrimas (sempre que alguém nos manda  fumo do tabaco para os olhos ou uma matrafona nos faz uma carícia ocular com a sua cabeleira muito pouco colírica) e esforço (é realmente desgastante andarmos seis dias quase sem ir à cama e sempre de copo em punho!). Mas esta nossa veneração, o nosso todo-poderoso Entrudo não esmorece, nem a chuva nos faz arredar pé e é isto que nos enche a alma, são estes dias que nos dão força e pujança para todo o ano que se avizinha! Não tentem (em vão), ano após ano, deter-nos e esmagar-nos; nada abala esta convicção que nasce com cada um de nós, todos vaticinamos esta profecia e levamos a palavra deste nosso senhor para onde quer que vamos. Com orgulho enchemos o peito e com orgulho somos Torrienses, temos o melhor Carnaval deste país a correr-nos nas veias e venham louletanos, madeirenses, ovarenses e o diabo a sete! Nós somos o mais português de Portugal. Recheamos cada noite de festa nacional, com tradições do nosso país, sem precisarmos de imitações brasileiras ou latino-americanas para irmos além fronteiras com o nosso espírito de foliões.

A vida são dois dias e o Carnaval de Torres são seis. Até ao rebentar do último engenho pirotécnico da quarta-feira de cinzas foi Carnaval; o coração já bombeava saudades a cada ribombar no céu noturno!

Já só faltam 350 dias. ÁMEN! Obrigada pai e mãe por ter nascido em Torres Vedras!