Da Rússia com Amor

Na passada semana um avião da Malaysia Airlines com 298 pessoas a bordo foi abatido por forças separatistas pró-russas na Ucrânia, próximo da fronteira com a Rússia, quando seguia de Amesterdão, na Holanda, para Kuala Lumpur, na Malásia. O avião foi atingido por um míssil terra-ar e entre as vítimas, de várias nacionalidades mas na grande maioria holandeses, há três crianças.
Este lamentável incidente, por muitos classificado como um acto terrorista, veio fazer com que a problemática entre Rússia e Ucrânia voltasse a estar na ordem do dia. Apesar do envolvimento russo não ser assumido, a verdade é que não é difícil especular sobre uma cedência de equipamento aos rebeldes separatistas russos instalados há muito na Ucrânia, cessão essa que acabou desta terrível forma.
Jonh Kerry, qual investigador independente, vai ainda mais longe afirmando que o envolvimento russo não foi apenas ao nível do armamento mas também do treino e formação dos rebeldes que o utilizaram.
No entanto, Putin nega qualquer responsabilidade e lembra que o incidente se deu em espaço ucraniano. Além disso, prometeu que a Rússia usará a sua influência junto dos separatistas ucranianos para permitir uma investigação à queda do Boeing 777 da Malaysia Airlines. Ainda assim, fez questão de acrescentar que o Ocidente deve também pressionar o Governo de Kiev a terminar os combates e reagiu contra o que considera o “ultimato” que lhe tem sido feito, prometendo responder “proporcionalmente” a qualquer ameaça externa, nomeadamente à aproximação das infraestruturas da NATO das fronteiras russas. Da Rússia com Amor, portanto.
Na União Europeia, e tal como já era esperado, cada um por si. Os Países Baixos, fizeram bem o seu papel, e apressaram-se a dizer que todas as opções estavam em cima da mesa caso existissem obstáculos à investigação do sucedido e ao repatriamento dos corpos. Entretanto, os corpos já foram enviados de volta aos seus países de origem.
Mas outras vozes já se fizeram ouvir, como foi o caso do Primeiro-Ministro Britânico David Cameron, que afirmou ser necessário mudar de postura e ‘mostrar os dentes’ à Rússia, lamentando o facto de muitos países europeus, Reino Unido incluído, agirem como se precisassem mais da Rússia do que o inverso.
Colectivamente, a União Europeia luta para alargar e endurecer as sanções económicas e chega a ser confrangedora a inoperância da estrutura, sendo que o facto de não terem sido imediatamente tomadas decisões apenas vem confirmar a dificuldade de um consenso entre os parceiros europeus relativamente à estratégia a seguir no relacionamento com a Rússia.
O exemplo mais flagrante das divergências que se vivem no seio da UE é a política a seguir no que ao comércio de armas diz respeito. Por um lado, a França mantém firme a intenção de vender uma fragata à Rússia, fazendo no entanto depender a manutenção do acordo de venda de uma segunda fragata, do evoluir da situação. Por outro lado, alguns países menos influentes como a Lituânia, a Áustria ou a Suécia defendem o embargo da venda de armas à Rússia. A história do costume, com a NATO de olhos na situação.
As conclusões que se podem tirar das movimentações estratégicas no plano das Relações Internacionais são algumas. Na minha opinião, voltou a confirmar-se o mau planeamento da política externa americana, ficando evidente que Obama e Kerry navegam ao sabor do vento, e portanto, tornam-se menos eficazes. Putin, pelo contrário, sabe perfeitamente ao que vai, e continua a dar claros sinais de força, seguindo a velha tradição Soviética. Ganhou a briga pela Crimeia e não cedeu um milímetro, e agora parece preparar-se para passar incólume a tão delicada situação.
A União Europeia simplesmente não conta enquanto um todo, mas muitos dos seus Estados Membros tem capacidade para se tornarem factores decisivos no desenrolar desta trama. Os diferentes blocos parecem uma vez mais começar a formar-se, mas no entanto, uma estrutura que durante muito tempo foi vista como um projecto de paz, não se consegue impor e aglutinar-se em torno de um dos seus principais desígnios. Já a Rússia, rejubila com a demonstração de fragilidade dada pela UE e prepara-se para tentar uma nova bipolarização da ordem internacional, apostando desta vez no desgaste sofrido pelos EUA nas diversas guerras em que se tem envolvido. O tempo mostrará quem tomou as melhores opções.