Diário de uma Divorciada – O campo está minado

Tenho o prazer único de poder partilhar a história da minha amiga Telma, contada na terceira pessoa, textos repletos de sátira, textos reveladores de uma profunda tristeza e honestidade, mas são de facto textos que detalham a vida real e a fase de mudança que a Telma está a vivenciar. Ponderei muito antes de partilhar estas palavras com os leitores mas relembrei o poder transformador que as palavras detém, se o testemunho da Telma ajudar nem que seja uma mulher a sentir-se bem com as suas decisões e escolhas, então valeu a pena.

Diário de uma divorciada  – O campo está minado

Um dia, em confidências com uma mulher cheia de sabedoria e empatia, a Telma reteve as seguintes palavras: “Tenho uma amiga que se separou recentemente e que me disse: Maria, o campo está minado! Nunca se viu tantos gays como agora, não sei o que se está a passar, não há gajos”. A Telma soltou uma grande gargalhada e ambas trocaram olhares cúmplices.

A Telma também não sabe bem o que se está a passar, não faz a mais pequena ideia, as amigas queixam-se que os tipos só querem sexo, outras dizem que ainda bem que assim é porque também não querem compromissos e a Telma vai absorvendo toda essa energia, na esperança de que ela própria consiga perceber se neste momento de independência, felicidade e amor-próprio na sua vida, ela precisa de conhecer alguém.

A carência deturpa a visão realista de uma mulher. Quando damos por ela estamos a combinar um café com um gajo que não tem nada a ver com aquilo que queremos para nós. A mulher, em determinadas fases da sua vida, pode não saber bem o que quer, mas sabe exatamente aquilo que não quer! A citação está corretíssima “O campo está minado”, não há gajos normais, morreram, sumiram, neste planeta não existem, talvez noutras galáxias, nesta não, as mulheres andam à nora para arranjar um tipo em condições, não me admira nada que prefiram ficar sozinhas. E não digam à Telma que os melhores estão casados, que ela não sabe se ri ou se chora com uma afirmação tão longe da verdade. Para além dos gays, dos que vivem com a mamã e com o papá, dos que têm raiva da ex-mulher, dos que falam mal das relações anteriores, dos que não sabem cozinhar, dos que têm a mania que são bons e não valem nada, dos que vivem em constante frustração, dos que gaguejam só de olharem para ti, dos que têm a auto estima reduzida, dos que te convidam para ir ao cinema mas tu é que pagas porque são uns somíticos, dos que só querem sexo e nada mais e dos que carregam uma bagagem emocional tão pesada que é impossível suportar, sobra pouco, muito pouco, para uma mulher se sentir suficientemente confortável para se deixar ir…

Dizer a uma mulher que ela nunca mais vai conhecer alguém que a ame é profundamente violento, qual é o propósito dessa belicosidade? Sou uma mulher assim tão má e tão desprezível que não possa ser amada novamente? Não sou merecedora de um novo amor? Nenhum homem consegue se apaixonar por mim? Porquê? Sou uma merda? A Telma debatia-se com estas questões enquanto as notificações no facebook e no instagram produziam som no seu telemóvel…Olá, Olá, Olá, Tão linda, Que bonita, Gostosa, Olá, Olá, Olá…pedidos de amizade dignos de colecionar, aumento exponencial de seguidores, Olá, Olá, Olá…e ela que só queria conhecer um tipo normal numa ida à livraria no final de tarde, ele estaria a folhear um livro de José Saramago, de relógio no pulso e com alguns cabelos grisalhos, ela entrava na livraria, com o seu vestidinho preto, tímida e reservada, para namorar um livro de Vergílio Ferreira, os olhares de ambos cruzavam-se e ela sentia borboletas instantâneas no estômago, o corpo ficava deliciosamente tenso, o rosto mudava de tom, ela percebia nesse mesmo instante que acabara de conhecer quem lhe estava destinado. Mas a realidade é bem diferente dos devaneios de Telma.

As amigas com quem partilhava histórias idênticas à sua comentavam que era muito difícil conhecer um homem que cumprisse alguns dos parâmetros que elas exigiam, mas a Telma achava que com ela ia ser diferente, ela é uma sonhadora, uma romântica, uma pessoa positiva e cheia de energia, ela fez tudo direitinho, cumpriu tudo o que havia para cumprir, decidiu tudo da melhor forma possível, então ela merecia um homem especial, daqueles raros, que só se vê nos filmes românticos e aborrecidos que passam na televisão nas noites que antecedem o Dia dos Namorados.

A Telma quer muito mais que sexo, ela quer passear na praia, andar de mão dada, que lhe declame poesia, que lhe envie bilhetes, correr na chuva, dar gargalhadas na cama, filme a dois num final de tarde, que lhe leia excertos de livros enquanto ela se senta no seu colo e lhe acaricia o cabelo, que a leve a ver as estrelas e lhe conte histórias da sua infância, que ame cada centímetro do seu corpo e olhe nos seus olhos enquanto conversam…Ei Universo, é assim tão difícil mandares um gajo normal? Um homem por quem eu me perca mas não me perca muito…

 

“Perder-se também é caminho”

Clarice Lispector

Próximo capítulo: A instituição casamento