Diz-me quem és e dir-te-ei se és já vacinado

Diz-me quem és e eu dir-te-ei se és já vacinado, passando à frente dos utentes prioritários nos grupos de risco.

Assim aconteceu nos últimos dias em Portugal, terra de contrastes, um país sem rei nem rock, o que por um lado não admira porque já vivemos numa monarquia, mas por outro lado causa estranheza porque ainda tocam (e bem) os UHF e prometem fazê-lo por muitos anos.

Eis-nos perante a variante portuguesa do COVID-19, menos mortal do que a inglesa mas grave no domínio ético: o rompimento das regras do plano de vacinação, que não comtempla nesta fase inocular dirigentes de lares nem que sejam autarcas, mas sim os profissionais dos lares e os utentes que têm a cargo.

Contra a notícia de que foi vacinado o presidente do município de Reguengos de Monsaraz, por ser o dirigente máximo de uma fundação dona de um Lar de idosos, deviam insurgir-se as vozes dos beneficiários do SNS que estão a aguardar, independentemente de muitos deles serem doentes de risco, em face da idade ou problemas de saúde associados ao seu estado. É o máximo, esta alegação, vinda dum dirigente dum lar, do qual em 2020 o país assistiu, quase em direto, à morte de dezoito pessoas. Se contacta, como diz, diretamente os idosos, onde estava o Sr. Presidente da Direção do Lar quando necessitavam de pessoal para render os funcionários que tinham adoecido ou trabalhavam exaustos?

Mas não gastem aqui todas as energias. Apoiem também as denúncias de enfermeiros, que denunciam no mínimo quinze situações de vacinação em pessoas não prioritárias. A bastonária da Ordem que remete para o “nível mais baixo de chico-espertice e provincianismo português que irrita os profissionais de saúde”. E não é excecionalmente no Alentejo que se verificam irregularidades. Mais a norte foi um padre numa paróquia em Braga; foram todos os órgãos Sociais da instituição que é o lar da Santa Casa da Misericórdia de Bragança, mesmo que no dizer de Ana Rita Cavaco ainda as brigadas de intervenção rápida nos lares, em Bragança, não tenham sido comtempladas e já haja funcionários a serem vacinados; o presidente da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez, com a desculpa da sobra de vacinas desse dia; isto para referir os mais conhecidos.

É lamentável que a queixa de Francisco Ramos, o coordenador do plano nacional, que fala abertamente em uso indevido da vacina, não encontre eco na explicação do Secretário de Estado da Saúde, para o qual, para esta exceção, poderá ter havido uma justificação.

Rima mas soa mal. Soa a oportunismo, a ser-se chico-esperto numa terra em que se ganharia mais sendo chico-com-talento, com talento e arte para compor uma canção ou escrever um livro que lhe valesse, quiçá, ganhar um dia o Prémio Camões.