Efeitos Especiais: De onde viemos e para onde vamos

Este mês o espaço do Magazine Mais Opinião dedicado ao cinema trás uma perspectiva muito pessoal dos efeitos especiais no cinema. Nesta edição vou explorar este tópico através dos tempos num recordar de memórias que podem surpreender o leitor.

“Efeitos Especiais”, esse termo sonante que parece abranger inúmeras categorias de efeitos técnicos, e mais recentemente computadorizados, que marcam as mais diversas peças da Sétima Arte. Por vezes ajudam no realismo do filme noutras apenas para criar o efeito místico de certas cenas com mega explosões. A grande verdade é que há muito que os efeitos especiais nos acompanham, especialmente nos filmes que mais marcam a história do cinema.

A chegada do CGI, imagens geradas por computador, parece ser a última e mais derradeira mudança no mundo dos efeitos especiais e nem sempre para melhor… mas já lá vamos!

Nasci em 1992, parece uma informação pouco relevante mas ajuda a traçar o perfil de consumidor de cinema, ou não. Dos filmes que ficam nas minhas primeiras memórias são como é normal O Rei Leão (1994), Pocahontas (1995) e… O Ladrão de Bagdad (1940). Leu bem caro leitor, não se trata de qualquer engano. Como raio tal filme quinquagenário na altura acaba por fazer parte da dieta cinematográfica de uma criança de três anos? Trata-se de uma herança também ela cinematográfica escondida num armário de cheio de VHS gravados por gerações da família ao longo dos anos, escondidos ou não, nos espaços por gravar no final das cassetes. O Ladrão de Bagdad encontrava-se gravado depois de outro clássico, Platoon (1986) o que significa que não muito antes de eu nascer, creio que possivelmente ainda nos gloriosos anos 80, alguém se tinha lembrado de gravar indiscriminadamente um filme que nada tinha a ver com o que já lá estava em primeiro lugar.

Guardo ainda essa cassete mítica com Platoon sem que na caixa refira com exactidão que obra trás clandestinamente em quase “lado B” usando termos igualmente “casseteiros”. Provavelmente a cassete já não trabalha, nem tenho o suporte apropriado para experimentar, mas é uma memória, e uma certa homenagem a um avô que me mostrou alguns clássicos do cinema (e me ensinou muita coisa sobre a vida) e que guardava essas cassetes nesse tal armário, e que infelizmente por forças maiores do que nós nos deixou há cerca de 10 anos. Não poderia portanto deixar de prestar a homenagem merecida que nunca será suficiente para o tanto que me ensinou…

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Voltando a O Ladrão de Bagdad, é impressionante o tão pouco que me lembro do filme, no entanto, há uma cena que não esqueço, e essa cena foi alvo de muita birra por parte do petiz de 3 ou 4 anos que queria ver aquela cena over and over again. Uma cena bastante simples mas muito mágica que envolvia um génio que saia de uma garrafa numa praia, é a imagem mais vivida que tenho do filme, e o resto era conversa! A cena mostrava um dos efeitos especiais mais interessantes para a época. Hoje é aos olhos de muitos apenas uma tentativa frustrada mas naquela altura era o topo dos efeitos especiais em Hollywood. Não havia computadores, no entanto, o filme está repleto de tapetes voadores, génios da lâmpada e uma aranha gigante, tudo vindo da mente de visionários e que agora como podem ver nas imagens não parece de facto grande coisa, mas tendo a noção dos recursos e da tecnologia da época é mais que garantido que era a vanguarda técnica que o cinema podia oferecer.

Voltando às míticas cassetes, há ainda um outro filme que recordo com grande detalhe, A Ilha Misteriosa (1961), um clássico de Júlio Verne adaptado para o grande ecrã. A grandiosidade deste filme  recai em dar protagonismo a um animal muito peculiar: lembra-se daquela sapateira que comeu naquela época festiva … Pois é, em A Ilha Misteriosa essa sapateira era a criatura mais espectacular do sitio. Como podem ver na imagem ilustrativa, numa cena feita com técnicas de stop motion e muita habilidade da equipa técnica uma sapateira gigante é um dos principais adversários dos não tão sortudos heróis da trama.

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Estes foram os primórdios dos efeitos especiais contemporâneos. Mas saído das míticas cassetes vamos agora dar um salto enorme até 1977 (ou 1999, quando vi pela primeira vez)… STAR WARS!!! A trilogia que correu de 1977 a 1983 contou com dois pormenores em termos de efeitos especiais que são fabulosos: um que faz parte da História do cinema como já referi o stop motion que acompanhou grandes filmes como King Kong (1933) ou até filmes mais recentes como The Nightmare Before Christmas (1991) ou Frankenweenie (2012). Estas duas técnicas foram os grandes marcos do cinema até há bem pouco tempo e principalmente a inclusão de marionetas em tudo o que era filme de fantasia ou ficção é um dos grandes clichés dos anos 80. Vamos analisar um de cada vez… e fazer algumas comparações pertinentes com o cinema dos dias de hoje…

O filme mais relevante para falar de stop motion e em termos comparativos com o seu remake com o CGI actual é o famoso Choque de Titãs ou melhor Clash of Titans de 1981. É possivelmente um dos filmes cimeiros do stop motion que, para quem não sabe, consiste na aparente animação de objectos. Primeiro é tirada a primeira fotografia ao objecto, depois o objecto é movido ou moldado de forma a simular movimento, e tira-se mais uma fotografia. É um processo vagaroso uma vez que para simular um movimento o que estamos a fotografar deve mostrar poucas mudanças entre fotografias de forma a que, frame a frame, o objecto ou monstro pareça ter um movimento fluido e consistente. Vejamos a comparação com o CGI moderno, é talvez incomparável confesso, mas por um lado existe algo muito mais mágico e palpável em 1981 do que em 2010.

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E porquê? Trata-se também de uma escolha cinematográfica é certo mas a Medusa de 1981, além de menos sexualizada não se move da mesma forma que um humano faria no mesmo filme devido à técnica de stop motion. Este pormenor técnico torna a figura ainda mais estranha e o mistério e o medo que provoca na semiobscuridade em que se encontra contribui para o mágico e o exótico da cena. Cada personagem em stop motion é única em qualquer filme, seja a Medusa de Clash of Titans ou os esqueletos que lutam contra actores reais em Os Argonautas (1963). A Medusa de 2010 é um fruto do nosso tempo, não apenas pelo CGI mas também pela forma com que é retratada, demasiado humana, demasiado sexualizada, não constrói qualquer tipo de sensação de desconforto na audiência.

Será a mestria técnica melhor antes do CGI? Nem sim, nem não, são técnicas diferentes, é apenas em análise comparativa e tendo em conta certos filmes comparáveis como originais e remakes e tendo em conta outros factores como escolhas pessoais dos cineastas é possível definir qual das técnicas se destacou. Podemos afirmar que o CGI veio para dar realismo mas por vezes também dá uma sensação de estarmos a olhar para uma figura oca por mais que sejam simuladas texturas e cor e reflexo da luz. Voltando a Star Wars para comentar a utilização de marionetas.

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Podemos argumentar que as prequelas foram horríveis, embora eu discorde, mas isso é claramente para outro artigo, o que posso afirmar é que possivelmente Yoda da trilogia original é muito mais digno de menção. Para uma marioneta a personagem cresceu bastante na audiência, os movimentos era plausíveis e a sua ínfima sabedoria cativou uma geração. O Yoda das prequelas (agora dos três filmes uma vez que A Ameaça Fantasma de 1999 apresentava uma marionete que nada se parecia com Yoda e foi substituída no versão Blu-ray) é também ele um produto de grande qualidade em termos técnicos que além de ser totalmente computadorizado parece com isso perder um pouco da sua alma original, e claro que a inclusão de um sabre-luz foi também ela uma escolha mal vista. O Yoda das prequelas não parece fazer parte do nosso mundo mas sim dum universo paralelo onde se quiséssemos não podíamos dar aquele abraço ao pequeno mestre verde.

É claro que próprio CGI tem melhorado substancialmente, é incomparável tentar colocar na mesma categoria o dragão Smaug de The Hobbit: The Desolation of Smaug (2013) e Draco de Dragonheart (1996). O que é certo é que o CGI apenas apela ao fácil, evita-se gastar dinheiro a criar sets milionários, mas o resultado é ainda hoje não comparável a um local palpável. Um dos filmes que podemos dizer que mais sofreu nos últimos tempos pode ser de facto a trilogia de The Hobbit de Peter Jackson em comparação com O Senhor dos Anéis. A nova trilogia sobre de uma grande overdose de coloração e de um enorme uso de CGI que embora de boa qualidade faz ter saudades no mundo muito mais realista de O Senhor dos Anéis que parece ter resistido ao passar do tempo embora toda a sua tecnologia de efeitos especiais tenha uma década. Já os efeitos especiais de The Hobbit provavelmente estarão completamente ultrapassados em 10 anos. No entanto, temos de felicitar Peter Jackson por manter ainda alguns sets reais, mas criticá-lo pelos efeitos de pós-produção nas caras dos figurantes vestidos de orc ou pela total conversão de personagens a exclusivos de CGI que nada demonstraram de inovador que uma mascara protética não pudesse simular.

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É certo que a tecnologia evolui e os anos 90 foram possivelmente o maior tubo de ensaio para a criação de personagens computadorizadas. Adeus marionetas e a adeus stop motion… ou não… mas representou o adeus destas duas técnicas como mainstream. Avançamos possivelmente agora para uma nova era… O meu prognóstico cinematográfico é baseado em alguns vislumbres dos últimos 10 anos… As barreiras foram ultrapassadas a partir do momento em que a captura de movimentos surgiu com grande pormenor técnico com Gollum de Senhor do Anéis, Davy Jones de Piratas das Caraíbas ou os Na’vi de Avatar (2009). No entanto, o marco que pode simplesmente ter sido o total turning point encontra-se em TRON: Legacy (2010).

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Esta sequela ofereceu-nos com a ajuda de técnicas de captura de movimentos uma versão de Jeff Bridges saída dos anos 80, e interpretado pelo próprio, altamente realista. A questão desta tecnologia é o próximo passo, que pode entrar em conflito com questões morais. Imagine-se que com esta tecnologia podemos voltar a ver actuar estrelas que já não estão entre nós. Claro que existem direitos de imagem, mas será moral fazer um filme sobre Marilyn Monroe através de técnicas de captura de movimentos por mais realista que a personagem possa parecer em interacção com o mundo real? Possivelmente não, mas é de certeza uma hipótese a ter em conta no futuro, ligada a falta de distinção da audiência de quem é real ou não.

O CGI veio para ficar, apresentando-se na vanguarda onde outras técnicas estiveram antes, chama-se evolução, por vezes existe mais magia quando se fala de clássicos com técnicas mais antigas de efeitos especiais. Cada geração tem a sua magia e a sua representação da fantasia ou da realidade. Resta aguardar pois as capacidades do CGI são no fundo ilimitadas, embora estejam numa fase de aperfeiçoamento onde numa futuro próximo já será difícil perceber onde está a realidade virtual e o real…

Voltarei no próximo mês com mais cinema…

Artigo de Luís Antunes