Era uma vez no cinema: 45 Years

       Pela primeira vez na rúbrica “Era uma vez no cinema”, vou escrever sobre um filme europeu. É importante dar visibilidade e o reconhecimento merecido ao cinema feito fora de Hollywood, que não é acompanhado por grandes campanhas de marketing , algo que naturalmente faz com que o mesmo passe despercebido a grande parte do público. Mais precisamente, a obra analisada hoje é de origem britânica, “45 Years”. O realizador Andrew Haigh, igualmente britânico, é o responsável por esta adaptação cinematográfica do conto de David Constantine. Embora seja ainda muito jovem (quarenta e três anos) e este filme seja apenas o terceiro da sua autoria, Haigh mostra maturidade e conhecimento na realização de “45 Years”.

       A trama desenrola-se durante os cinco dias que antecedem o 45º aniversário do casamento de Kate Mercer e Geoff Mercer. Durante esse período, Geoff recebe uma carta informando-o da descoberta do corpo do seu primeiro amor nos Alpes suiços. Tal acontecimento vai alterar e perturbar o relacionamento do casal.

       “45 Years” é um daqueles filmes que os críticos gostam de apelidar como cinema para gente crescida, que se afasta ao máximo dos populismos e clichês comerciais a que, infelizmente, já estamos habituados. Este é um drama matrimonial maduro, onde impera o realismo e a objectividade , longe dos sencionalismos que seguem muitos outros filmes do género, por isso é natural que uma parte do público tenha dificuldades em abraçar uma obra como esta, algo que deriva também do pouco hábito que existe em relação ao cinema europeu. Sem nunca forçar ou expressar em demasia os sentimentos e emoções vivenciados em tela, “45 Years” consegue transmitir todo o seu poder dramático através da sincera naturalidade das suas cenas, para as quais contribuem significativamente o magnífico trabalho de Tom Courteney e Charlotte Rampling, mas abordarei isso mais à frente. O argumento também joga a favor da obra de Andrew Haigh, pois consegue apresentar as personagens e desenrolar a trama sem cair em exageros e excessos, contribuindo para o desenvolvimento inteligente do filme. A forma sublime e cuidada como são tratadas as principais temáticas da obra, desde as dificuldades em lidar com o passado aos problemas conjugais, é admirável. Não há como deixar de destacar alguns dos diálogos e cenas cuja beleza é incrível, como é o caso de quando Geoff cita um verso da música “Smoke Gets in Your Eyes” dos The Platters, e a inesquecível e belíssima sequência final que claramente entra no top das melhores cenas do último ano cinematográfico. Se há algo que podemos apontar de negativo a “45 Years” é que o seu estilo frio e distante pode fazer com que seja díficil entrar no espírito da trama.

      Um dos maiores trunfos de “45 Years” é a sua dupla de protagonistas. Os muito experientes Tom Courteney (nomeados duas vezes aos Óscares e vencedor de um Globo de Ouro) e Charlotte Rampling que tem interpretações de alto nível. Embora Tom Courteney tenha aqui uma performance bastante positiva, esta tem uma dimensão secundária quando comparada com a interpretação de Kate por parte de Charlotte Rampling, que é sem sombra de dúvida a personagem central do filme. A actriz de setenta anos tem aqui uma das melhores performances da sua longa carreira, algo que lhe valeu uma surpreendente mas justa nomeação ao Óscar de Melhor Actriz. As atenções são tão focadas nas duas personagens principais, que não existe grande margem para qualquer dos restantes membros do elenco se destacar.

        “45 Years” é um óptimo exemplo do bom cinema que é feito no “Velho Continente”. É a demonstração que há vida e qualidade para lá dos estúdios de Hollywood, e de que nem sempre são necessários grandes orçamentos e produções para se fazer cinema de categoria. O cinema europeu está de boa saúde e que gozo me dá dizer isto!

7/10