Estado das coisas

Havendo tanto assunto por abordar,  hoje na minha crónica falarei de vários temas.

Sobre a Grécia

Repararam na forma como a Grécia lidou com o bullying dos credores? Com democracia directa. Os credores diziam que o governo grego tinha de aceitar mais austeridade. E o governo grego dizia que foi eleito para acabar com ela. Encostado à parede, decisão volta a quem os elegeu, a quem é, em democracia, soberano. 

Ainda sobre a Grécia, comecei a ver um programa “As palavras e os actos” na RTP1 na quinta feira passada, mas não consegui ver até ao fim. A demagogia tem limites e João César das Neves ultrapassa todos os limites. O ex-assessor de Cavaco Silva, no período das “vacas gordas” em que o algarvio de Boliqueime era primeiro ministro (e ficou conhecido como o “pai do défice”), diz que os gregos esbanjaram o dinheiro que receberam da troika. No próprio programa João César das Neves foi desmentido – e basta fazer pesquisa na web para confirmar por vários autores – , pois cerca de 90% do dinheiro que entrou na Grécia por via da troika, saiu imediatamente para pagar credores (bancos) alemães e franceses.
Ainda há dias Paul Krugman, Nobel da Economia, perguntava na sua crónica semanal no NYT se o FMI estava a gozar com todos nós. A razão tem a ver com verdade inabalável que eu abordei na crónica da semana passada: os técnicos do Fundo Monetário Internacional e dos restantes “comparsas” da troika nunca conseguiram prever as reais consequências das medidas que obrigaram Atenas a adoptar. E mais: depois de se ter verificado que o caminho está errado, continuam a insistir no mesmo.
Algumas mentes criativas (e a puxar para o neo-fascismo, onde os governos escolhem por aqueles que os elegeram sem lhes passar cavaco – o uso deste termo foi intencional) já colocam posts nas redes sociais com o video do grego Demis Roussos “Goodbye, my love, goodbye”. Mal sabem eles que uma saída da Grécia do Euro (e da União Europeia) abalará de tal forma a imagem da união monetária europeia (e da capacidade da mesma de manter a unidade e estabilidade económica e financeira) que será muito provavelmente o principio do fim do Euro.

Jobs for the boys

A expressão “jobs for the boys” ficou bastante conhecida no governo socialista de Guterres, em que eram frequentes as noticias de pessoas ligadas ao partido que eram nomeados para os mais diversos cargos na administração pública ou empresas do Estado. Pelos vistos a expressão entrou em desuso mas a prática não.
No governo que jurou criar um sistema em que os titulares de cargos na administração pública iriam ser escolhidos por mérito e aptidão técnica, sabe-se que o secretário de Estado da Cultura nomeou alguém da sua confiança para Directora Geral das Artes (ignorando a Lei e a indicação da comissão que tem como missão fazer o “casting” para essas funções), que Passos Coelho reactivou a embaixada de Portugal na Unesco, encerrada por Paulo Portas (então ministro dos negócios estrangeiros) em 2012, para colocar o seu chefe de gabinete como embaixador, e que Rui Machete, actual ministro dos negócios estrangeiros, reabre embaixada em 
Bruxelas e nomeou o seu chefe de Gabinete como cônsul em Paris. Mudou o nome, mas a prática é a mesma.

Ano de eleições

Em ano de eleições tudo vale e o “que se lixem as eleições” já é algo do passado. Já há dinheiro para se fazer mais operações (mas não há para se contratar mais profissionais de saúde), já há margem para se poder pensar em devolver a sobretaxa do IRS (mas continua-se a cortar nos subsídios de desemprego, sem que se consiga promover o emprego) e até duas variantes da estrada nacional 125 no Algarve vão ser abertas pouco tempo antes das eleições (não vá algum algarvio estar indeciso).
Seja qual for a cor dos que governam, não caia na esparrela de não pensar num mandato como um todo. Não se deixe enganar por medidas de última hora que tentam esconder o que não fizeram (ou o que de mal fizeram) durante quatro anos.

 

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico