Katy Perry e a Pop sem propósito de “Witness”

Há cerca de uma década que Katy Perry faz parte das nossas vidas. Três álbuns editados e pelo menos três mãos-cheias de êxitos universais fizeram dela uma das estrelas pop mais imbatíveis e estimadas da sua geração, seguindo à risca uma fórmula simples mas certeira, esquadrinhada pela nata dos artífices habilitados na construção de hits.

A paragem de quatro anos do último Prism para este Witness indicava algo que a cantora e a sua equipa souberam compreender: a necessidade de uma mudança de rumo e da procura de metas mais ambiciosas. Afinal de contas, tanto a solidez alcançada ao longo do percurso como a entrada nos 30 conferiam a Katy a oportunidade perfeita para arriscar e amadurecer o seu som.

E de certo modo a campanha promocional de Witness até começou com estrondo quando, em Fevereiro último “Chained to the Rhythm” foi desvendado. A suave brisa disco pop/dancehall com letra manifestamente política parecia anunciar o início de uma nova era que a própria intérprete apelidou de “pop significativa”. Não tardaria muito até que a nobre intenção fosse deitada por terra.

Para dissipar alguma da seriedade recém-encontrada e alinhar com o sabor urbano da estação, “Bon Appétit” chegou libidinoso e insinuante na sua toada dance-hop/trap-pop, para o desagrado geral do público e leais fãs de Katy Perry. Um single decente até nas mãos de outra contemporânea sua, mas completamente desapropriado e desaconselhável para alguém que queria finalmente ser levada a sério.

Com um grave problema em mãos com que provavelmente não contavam, Perry e a sua equipa viram-se obrigados a reagir com um single de emergência, “Swish Swish”, o gémeo maligno de “Walking On Air” de recorte eurodance que elevou o beef com Taylor Swift a um outro nível, mas que pouco ou nada fez para diminuir os estragos causados pela questionável estratégia promocional – eis então que, pela primeira vez, Katy Perry se vê a braços com o amargo sabor do fracasso.

A espiral descendente parece ter continuidade no álbum propriamente dito que vive do excesso de duração, da incapacidade de articulação de uma visão criativa sólida e, sobretudo, da falta dos ingredientes que tornam Katy tão apelativa aos olhos do público: a diversão, as canções orelhudas e a unificação da sua mensagem.

A primeira parte de Witness, dominado por investidas electrónicas algo duvidosas, fica aquém do esperado. O tema-título expressa o desejo de reencontrar uma cara metade que compreenda o seu modo de vida, mas depressa cai nas malhas pouco confessionais da witch house; “Roulette”, um tema a que no passado facilmente faria justiça, mostra a sua desconexão com o lado divertido da pop; em “Déjà Vu” soa apática e exausta numa produção deep house para a qual não tem fibra; e os temas forjados pelos Purity Ring – “Mind Maze” (bocejo) e “Miss You More” (ultra bocejo) – deveriam ter sido afastados do alinhamento final: certamente uma boa experiência para o currículo da dupla canadiana, mas que em nada favorece o output da sua intérprete.

Os únicos bons momentos reduzem-se a “Hey Hey Hey” e “Power”. O primeiro – erro crasso de título, antes “Can’t Break Me” – passa pelo equivalente ao “Dark Horse” do novo disco, sem contornos trap, mas igualmente maléfico e alarmante q.b., de letra e interpretação à prova de bala. Mais surpreendente é o tema que resulta da sua parceria com Jack Garratt, uma curiosíssima junção de R&B alternativo e electrónica sobre auto-afirmação – K-Pez nunca soou tão impiedosa e experimental. Ambos são perfeitos exemplos do género de canção de empoderamento e emancipação que funcionaram tão bem para Perry no passado – material de single, sem sombra de dúvida.

A segunda metade do disco, com início em “Chained to the Rhythm” (decididamente a melhor canção do alinhamento) é francamente mais bem conseguida. Mike Will Made It faz um convidativo “Tsunami” em lume brando, uma produção retro-R&B para Katy brilhar; os Purity Ring redimem-se levemente com o epifânico “Bigger Than Me”, e “Pendulum” oferece-nos uma estelar construção synthpop em cama gospel, que recaptura o molde das canções espirituosas de uma Mariah Carey em início de carreira. Nota de destaque também para as baladas, ainda um prato forte seu: “Save as Draft” nasce da costela de “By the Grace of God” e “Unconditionally”, enquanto a belíssima “Into Me You See” resulta dos préstimos criativos dos homens fortes dos Hot Chip – entram para a galeria dos seus melhores momentos confessionais e delicadamente tecidos.

Witness é, pois, o álbum mais fraco de Katy Perry à data, mas talvez o género de disco inconsistente e mal-amado que precisava de ser feito para chegar ao trabalho robusto, arrojado e acertado que quererá fazer no futuro. Uma coisa é certa: seremos testemunhas daquilo que estará para vir.

 

Katy Perry – Witness (2017)

Editora: Capitol

Classificação: 6,6/10