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Memórias Natalícias – O ano em que só recebi tabuadas

Distraímo-nos um pouco e de repente é Natal, não é verdade? Como eu vos compreendo! Ainda ontem era Janeiro e estávamos todos a iniciar este belo ano de 2014 e agora já estamos a escassos dois dias do Natal e a um passo, não muito maior, da passagem de ano. Dada a proximidade do Natal era impossível fugir a essa temática na edição desta semana do “Desnecessariamente Complicado”, como tal falar-vos-ei de memórias natalícias, de meados dos anos 90, que envolvem demasiadas tabuadas e um monopólio muito especial.

Vocês não sei mas eu adoro o Natal. Atenção que eu não disse “gosto do Natal”, mas sim “adoro o Natal”. Desde sempre que esta é a minha época preferida do ano. As iluminações nas ruas, a música natalícia espalhada por todos os locais públicos, o frio que nos obriga a andar com várias camadas de roupa, o frenesim de andar às compras em busca dos melhores presentes para os amigos e familiares, a reunião da família, a ceia de Natal, a distribuição dos presentes pelos vários membros da família e, finalmente, o momento em que podemos abrir os presentes. E se durante a infância este último momento era o mais ansiado hoje em dia as prioridades mudaram. Actualmente retiro muito mais prazer ao ver a minha afilhada, e o seu irmão (meu primo), a abrirem as prendas do que a abrir os meus próprios presentes.

Contudo algo mantem a magia: a distribuição dos presentes. Não sei como é feito o processo na vossa família mas na nossa, desde que eu nasci, é da seguinte forma: a minha Madrinha coloca-se perto da árvore, retira os presentes um a um, lê o nome escrito na etiqueta ou no próprio embrulho e cabe-me a mim fazer a distribuição. E esta parte sempre foi a minha favorita. E havia um pequeno, grande, detalhe: todos os membros da família tinham que descalçar um sapato (ou ir buscar um chinelo, se estivessem na sua própria casa) e colocá-lo perto de si, pois era aí que eu ia colocar os seus presentes.

Hoje até esta tradição se perdeu. Basicamente tornou-se impossível convencer os familiares a descalçarem-se (e agora que sou adulto percebo o porquê). E as posições mudaram. Eu passei a ocupar o lugar da minha madrinha. E a minha afilhada, e o seu irmão, ocupam a função que outrora me pertenceu. O tempo passa, todos envelhecemos e é necessário passar o testemunho aos petizes que vão, espero eu, manter o espírito natalício vivo dentro da família por muitos, e bons, anos.

E se olharmos com a devida distância para todo o acto de abrir os presentes de Natal quando somos crianças percebemos várias coisas. Primeiro: para nós é indiferente quem dá o quê. Tanto nos faz se aquele robot super fixe que tínhamos pedido, com tanta insistência, nos foi dado pelo querido avô ou pela Tia afastada e com quem não temos qualquer relação. O que interessa é que o recebemos e que agora temos o brinquedo que tanto ambicionámos! Segundo: Até uma certa idade reagimos com igual entusiasmo seja qual for a prenda que recebemos. Seja um par de meias ou um simples cachecol o que interessa é que é nosso e que agora o podemos usar (seja para vestir ou brincar, dependendo da prenda em questão) quando e como quisermos!

Terceiro: vamos querer abrir e experimentar todas as prendas que recebemos. Mesmo que já sejam três da manhã, não possamos fazer barulho por causa dos vizinhos e os nossos pais se queiram ir deitar porque estão cansados. O mais importante continua a ser conseguirmos começar a fazer aquele puzzle de três mil peças (onde mais de metade são peças de “céu” totalmente iguais) que aquele amigo da escola nos ofereceu. E quanto mais formos avisados de que é hora de ir deitar mais vamos querer brincar. Quarto: quando somos petizes não vemos qualquer benefício em ficar acordados toda a noite, mas isso muda quando estamos a falar da noite de Natal. O que é totalmente compreensível: recebemos uma série de brinquedos novos e queremos experimentá-los a todos! Logo dormir parece-nos completamente secundário. Todos pensámos, nem que seja apenas uma vez: “Quem me dera ser adulto para poder ficar acordado toda a noite a brincar com estes presentes fantásticos que recebi!”. Sim, porque na nossa mente quando somos adultos ganhamos o poder de fazer e dizer o que quisermos, quando quisermos e da forma que quisermos. Infelizmente a realidade fica muito aquém das expectativas (dava um jeitão a realidade ser como a imaginámos não era?).

Ora de todos os meus Natais eu vou destacar, de forma breve, um em especial. Mas antes de irmos á história é necessário fazer uma introdução: sou péssimo a matemática. Os números nunca foram o meu forte e passar à disciplina de matemática com boas notas sempre se revelou uma tarefa demasiado difícil para a minha jovem mente. Como tal, apesar de ir passando (à rasca), tinha bastantes dificuldades. Aliás, tinha e tenho, diga-se em abono da verdade, (eu sei que agora ficava-me bem mostrar o quanto mudei e evoluí e o quão bom sou a matemática actualmente…infelizmente isso não é verdade). E dentro da matemática algo que sempre foi o meu calcanhar de Aquiles foi a tabuada.

E pelo título desta crónica pode adivinhar o resto da história: os meus familiares juntaram-se e decidiram pregar-me uma partida. Todos os meus presentes eram, única e exclusivamente….tabuadas! Sim, recebi tabuadas, e mais tabuadas, e mais tabuadas. Aliás, eu acho que nunca tinha visto tantas tabuadas concentradas no mesmo local! E se o facto de o primeiro embrulho ser apenas uma simples (e ao mesmo tempo infernal) tabuada foi engraçado o mesmo não posso dizer dos embrulhos seguintes. Passados três embrulhos com semelhante desfecho a piada tinha-se perdido. E é aí que eu começo a chorar (algo compreensível se pensarem que eu esperei uma eternidade pelo momento de abrir os presentes)!

Todos eles afirmavam que aquelas eram as únicas prendas que ia receber, e eu estava mais triste do que em qualquer outro momento da minha vida! Felizmente tudo não havia passado de uma partida e eu iria receber presentes “de verdade”! No fundo todos ganhámos: eles riram-se de mim por ter acreditado na partida e eu ri-me deles por ter recebido os presentes que queria. Como devem imaginar fiz promessas de amor eterno à matemática, assim como à tabuada,  jurando que iria estudar mais e subir as notas de forma exemplar. Contudo (como também devem imaginar) nada disso aconteceu. Ou melhor, apenas metade: a do estudo. Eu estudava mesmo muito matemática. Mas os resultados nunca foram muito animadores.

Moral da história: fui alvo de uma vil partida, numa idade em que era incapaz de saber a forma correcta de reagir a ela. Contudo tudo acabou em bem e eu recebi os tão ambicionados presentes.

O meu desejo para este Natal é que haja harmonia, paz, esperança, amor, carinho e união nas casas de todos os portugueses. E claro, presentes. Mas em último lugar, porque se não existir nada do que mencionei na frase anterior os presentes de nada servirão. Uma casa sem amor sentido de verdade, e partilhado com os que nos são mais próximos, não fica mais alegre pela presença de meia dúzia de embrulhos.

Um Bom Natal.
Uma boa semana.
E….boas leituras!