Modernização Administrativa: Simplex, Citius e outros que tantos

 Agora que se fala muito do Citius, veio-me à memória onde começou o esforço de informatizar os serviços do Estado. O governo do, citando Pedro Santana Lopes, “visionário” primeiro ministro José Sócrates levou a cabo a chamada modernização do Estado, por via de vários programas, entre eles o Simplex ou o Citius.

A minha experiência pessoal com os resultados destes programas prende-se essencialmente com o cartão do cidadão (que substituiu pelo menos 3 cartões que costumava trazer na carteira: bilhete de identidade, cartão de contribuinte e cartão de utente do SNS), o portal das Finanças (onde calmamente faço o meu IRS, bem instalado no sofá e a qualquer hora), o Portal da Segurança Social (para a entrega de tudo o que eram provas escolares da minha irmã, enquanto ela estudava) e o portal da UC (para tudo e mais alguma coisa, desde matriculas, inscrições em exames, etc).  E, tirando algumas indisponibilidades temporárias (para quem está há uns anos familiarizado com sistemas informáticos, sabe que não há sistemas perfeitos, sem bugs e que não necessitem de manutenção), não tenho razões de queixa.

Cedo se leu em todo o lado queixas. Quem nem toda a gente tinha acesso à internet, era um deles. Que o Estado tinha gasto milhões, era outro. Mas hoje em dia, tornou-se um hábito o seu uso e o acesso aos serviços públicos está, de facto, mais simples. Nunca foi tão fácil como hoje pedir ou entregar certos requerimentos e documentos, criar um novo negócio/empresa ou associação.
Mas também houve apostas que falharam. A criação do LinIus, a distribuição de linux, para substituir o Windows nos serviços sob tutela do Ministério da Justiça, poupando assim milhares (se não milhões) em licenças informáticas. Mas se se poupava em licenças e se ganhava em segurança, por um lado, gastava-se mais em formações de funcionários, técnicos e, consequentemente, suporte, por outro.

Mas, como foi dito acima, não há sistema informático sem falhas e que não necessite de manutenção. E, acima de tudo, quando um sistema é desenhado para um determinado fim e com determinadas características e depois se pretende alterá-lo, todo o sistema tem de ser verificado, afim de garantir a sua consistência e integridade. Há que estudar as alterações e perceber que implicações terão e o que é necessário fazer para que continue a funcionar. Tudo isto antes de fazer as alterações.
Pelo que se viu e leu sobre o Citius, isso não foi feito. E depois, como bons portugueses que somos, é sempre mais fácil por as culpas noutros do que resolver logo o problema. Obviamente que estou a ser irónico, pois o bom português desenrasca-se e resolve. Isto parece não se aplicar à classe politica.
Adiante: o presidente do instituto responsável pela manutenção do Citius já veio dizer que a culpa é de todos os utilizadores do sistema que introduziram mal os dados no sistema, o que gerou incompatibilidades e que a nova equipa que gere o sistema, desde que aquela que habitualmente o geria se demitiu, nem tem documentação suficiente sobre o mesmo. Tenho de me centrar em três pontos:
1) se os utilizadores introduziam os dados da forma que o faziam era porque a aplicação permitia, logo o problema não pode estar nos utilizadores;
2) qualquer um de nós já preencheu formulários em que existiam campos obrigatórios e campos opcionais. Se o problema estava em juntar fichas e/ou documentos em que todos os campos essenciais estavam preenchidos a outros incompletos, uma possível solução seria passar todos os campos a opcionais temporariamente e depois alterar, depois de tudo carregado em sistema;
3) o último ponto que quero realçar neste momento, mas não menos importante, requer atenção à frase acima referida “desde que aquela que habitualmente o geria se demitiu”. Isto porque o DN revelou há dias que a anterior equipa se terá demitido por não ter obtido qualquer resposta do ministério da tutela a um relatório em que dizia expressamente que o Citius não estava preparado para o que se previa fazer com a reforma do sistema judicial. Mais: o mesmo jornal diz que o chefe de gabinete da Ministra da Justiça de demitiu pelo mesmo motivo.
Posto isto – e todos sabemos que a Ministra vai negar tudo, como é seu apanágio, seja ou não verdade – podemos concluir que o Ministério da Justiça sabia que o colapso do sistema informático era mais que provável mas decidiu levar a data da reforma avante.

Outro habitué desta maioria é, quando algo está mal, recorrer ao argumento “a culpa é do governo anterior”. De facto estranhei que esse argumento ainda não tivesse sido usado, até que ontem li uma noticia que dava conta que, no Parlamento, o CDS lembrou que foi um governo socialista que criou o Citius. E pensei “cá está, já estava a achar estranho”. Mas já se tornou um hábito. Até o Simplex foi fortemente criticado por esta maioria enquanto oposição. Mas em 2013 esta maioria candidatou o Simplex a um prémio europeu de modernização administrativa e ganhou, o que levou o (agora) vice primeiro ministro Paulo Portas a reconhecer que o Simplex até é um bom projecto (tendo-o reafirmado já em 2014, aquando da apresentação da ideia de apostar num Simplex 2, mais virado para as empresas).

 

Crónica de João Cerveira