Natal? Já? Não reparei – Maria João Costa

No meio de tanto que se podia escrever, ouvi o meu pai, lá no fundo da mesa, a sussurrar que já era natal, não tinha reparado. «Vá, escreve sobre isso cachopa», e eu vou escrever, mas não vai ser bonito, desculpa pai.

Não reparei, já perdi o hábito de olhar para o calendário, a minha irmã já não tem cinco anos, e devo de andar a comer muito queijo porque também não me lembro de ter comentado tal assunto com alguém. Mas sim, já estamos no natal. Não reparei.

As luzes perderam a força de outros tempos, as pessoas perderam a alegria de outros tempos, e as prendas deixaram de ter o valor de outros tempos. O natal, como lhe costumam chamar, passou a ser motivo de stress, de mais um «a fazer», deixou de ser um prazer. Vive-se num faz de conta, numa história criada para uma noite que «faz de conta» que acaba bem. Sorrimos para pessoas que se esquecem de nós durante 364 dias, abraçamos primos e tios só porque a mãe nos disse para o fazer uma hora antes da ceia, «para parecer bem»; recebemos presentes e só nos preocupamos com o talão de troca; contamos as horas para as dez e meia da noite (já nem há paciência para esperarem pela meia noite), e o que mais queremos é «despachar isto» e esquecemo-nos que é natal. Já foi o natal. Ninguém reparou.

A culpa não é do Pai Natal, nem do Rodolfo, a culpa é tua e minha, e nem reparamos. Perdemos demasiado tempo à espera que alguém reparasse por nós, que nos avisassem e que nos dissessem para viver esta época como a tua avó vivia, ela sim, não se esquecia do natal. Fazia do dia 25 um dia de alegria, de correria pela casa, de ansiedade, de união, de convívio, um «faz de conta» que se tornava realidade … mas isso era ela! Volta a deixar o copo de leite e uma bolacha ao pé da lareira, e começa a reparar! Eu vou fazer o mesmo!

Crónica de Maria João Costa
Oh não, já é segunda feira outra vez!