Nessa altura ganhava cinquenta escudos por mês…

Continuando o” Romance da Minha Vida”, vamos navegando ao longo do tempo, numa viagem que nos identifica as raízes e costumes das Congregações, nomeadamente na exploração das quintas. Foi neste ambiente e neste meio de trabalho que o Sr. Fagundes gravou a história que hoje tem para nos contar. A meu ver, vale a pena, uma viagem ao passado…ás vezes faz tão bem!
“…Nessa altura, sendo o tempo do fascismo, quem orientava os ordenados eram os patrões. A nossa firma denominava-se:-Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição.

Os empregados recebiam nessa altura, duzentos e cinquenta escudos por mês. Eu, os dois primeiros anos, não ganhei nada. Começaram a ver o meu trabalho e então passei a ganhar cinquenta escudos por mês. Só que não ficou por aqui. O meu trabalho começou a dar nas vistas e continuaram a aumentar-me até igualar os outros. Eramos então sete empregados e dávamo-nos todos bem. Como a permanência de alguns era curta, iam embora e vinham outros.

É de referir que a quinta quando as Irmãs Franciscanas a compraram, estava um caos, dava apenas três pipas de vinho. Nem tão puco dava para consumo. Fizemos grande plantação e chegou a dar sessenta e três pipas. No decorrer do tempo houve grande mudança na orientação da quinta. A que fazia de feitora fazia muita confiança num jornaleiro que lá trabalhava. Ele com outras intensões começou a desviar certas coisas. A superiora da casa teve o conhecimento do sucedido e mandou-o para outra casa. Nessa casa também foi despedido. O resultado de tudo isto?

As responsáveis chamaram-nos a todos. O porteiro da quinta dizia que tinha muito jeito para as hortas. No final disseram-nos: O Sr. Adelino fica então com dois dias para as hortas por semana. E vocês continuam como vinham a trabalhar. Algum tempo ainda se manteve razoável, até deu origem a comprar um tractor. Quem conduzia era o porteiro, só ele é que tinha carta de condução. Talvez por causa disso, envaideceu-se e deixou de ter dois dias para as hortas, e por ele próprio tornou-se feitor. Além das hortas, não tinha experiencia nenhuma para orientar a quinta. Fez-se feitor por ele próprio. Tornou-se tão incompreensível e autoritário, até as Irmãs o temiam. Como a regra delas é de mudar de superiora de tantos em tantos anos, passado pouco tipo foi o que aconteceu. Essa fez-lhe frente e não o temeu. Verificou o porte dele e despediu-o. Venderam o tractor, compraram novamente bois. Falou-se do tal jornaleiro que mandaram embora por furtar, este estava a seguir o mesmo caminho. Com o procedimento dele, eu próprio também tive alguns problemas. Havia lá uma freira, por ser filha de agricultores, tinha trabalhado na mesma! Tratava de porcos, galinhas e coelhos. Tomou conta do cargo da quinta. Eu já tinha aprendido a tirar leite, passe a tirá-lo. E essa freira também ajudava. Teria que me levantar as seis menos vinte da manha. Com história passamos, eu, e o outro, a tomar conta do gado. Tínhamos que assistir ao parto das vacas e quando acontecia nas porcas, lá íamos fazer de veterinário. Por falar em veterinário, uma altura qualquer encontrei uma vaca que não ruminava. Dei conhecimento á superior e mandou chamar o veterinário. Examinou-a e disse: tem corpo estranho dentro e morre. Se quiserem matá-la eu tenho num filho marchante que mata gado. É só telefonar-lhe que ele vem cá e faz o serviço. Ficou assim resolvido. Então esperamos, mas em vez de estar junto deles, fui fazer companhia á vaca. Passado pouco tempo vejo-a a ruminar! Esperei mais um pouco e ela continuava! Eu fui junto deles e disse:- a vaca não se vai matar!-Porquê? Perguntaram eles. Porque já está a ruminar, respondi. Foram então ver o resultado, o veterinário despediu-se de nós e disse-nos: – vou por casa do meu filho e digo-lhe que já não é preciso. Essa vaca continuou a dar leite e cheia de suade!

Sobre o mandato dessa feitora, passaram-se uns bons anos. Foi nessa altura que se deu o 25 de abril. A nós beneficiou-nos porque passamos a ter o ordenado estipulado pelo Estado. Já aqui disse que se vendia vinho, o vendedor passei a ser eu. Vendi a primeira pipa por novecentos escudos. Começando a aumentar, cheguei a vender por oitenta mil escudos. É de referir que uma pipa tem quinhentos litros. Nessa altura, além de vinho, vendia-se também leite, hortaliças, galinhas e ovos.

Começaram a chegar os supermercados e a nossa comercialização desceu drasticamente. Todos nós vemos o fim da agricultura, não é verdade? Mas a vida tinha que continuar. Não se podia desanimar. Há sempre altos e baixos e agente tem que os superar…”
…E tudo vai ser superado…nos próximos capítulos!

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Crónica de Aida Fernandes
A última Etapa