O circo não terá animais ou os animais não terão circo?

Lisboa e Funchal seguem as pegadas de países como a Alemanha, Suiça, Suécia, México, Áustria e Costa Rica, marcando a sua posição contra a utilização e exibição de animais nos espectáculos circenses.

Confrontada com esta polémica, desde há já alguns anos arrastada, achei pertinente encontrar aquilo que realmente está escrito no Diário da República, note-se, desde o ano de 2009.

Passo a citar:

1.º É proibida a detenção de espécimes vivos das espécies incluídas na lista constante do anexo I da presente portaria, (…) bem como dos híbridos deles resultantes.

2.º O disposto no número anterior não se aplica a espécimes detidos por:

  1. a) Instituições científicas (…).;
  2. b) Parques zoológicos (…);
  3. c) Entidades devidamente autorizadas pelo ICNB, I. P. (…) para criação em cativeiro para fins de produção animal”;
  4. d) Entidades devidamente autorizadas pelo ICNB, I. P., para criação em cativeiro integrada em projectos de conservação da natureza;
  5. e) Centros de recuperação e pólos de recepção de espécimes apreendidos(…);”

(in Diário da República Portaria n.º 1226/2009 de 12 de Outubro)

Desmembrando, pode-se resumir que é, então, proibido possuir e reproduzir os animais que constam na referida lista do anexo I. Em síntese, quem passa a poder deter os referidos animais são os parques zoológicos, centros de recuperação e empresas de produção animal autorizadas. Ficam de fora, portanto, os circos e as lojas de animais.

E os animais referidos no anexo I são:

1 – Mamíferos: cetáceos, dugongues e manatins, primatas, todos os animais carnívoros (excepto Canis familiaris, ou seja, o cão comum), elefantes, rinocerontes e hipopótamos.

2 – Aves: avestruzes, nandus, casuares e emas e pinguins.

3 – Répteis: tartarugas marinhas e tartarugas-de-couro, aligátores, crocodilos, gaviais, lagartos, varanos, monstros-de-gila, serpentes, boídeos, pitões, colubrídeos, crotalos, elapídeos, víboras

4 – Aracnídeos: escorpiões e centopeias.

O motivo da aprovação destas medidas, como consta também na mesma portaria “prende -se, no essencial, com motivos relacionados com a conservação dessas espécies, com o bem -estar e a saúde desses exemplares e com a garantia da segurança, do bem -estar e da comodidade dos cidadãos em função da perigosidade, efectiva ou potencial (…)”.

Segundo a PAN, a Assembleia Municipal de Lisboa já aprovou uma recomendação para que não sejam emitidas licenças aos espectáculos de circo com animais nesta cidade (e aqui re-emerge a polémica). Apesar dos votos contra do CDS, MPT, um deputado independente e outro do PSD, a proposta foi, em grande maioria, aprovada. Segue-se o Funchal, cuja Câmara já não licenciará também espectáculos circenses com animais.

Em Inglaterra, por exemplo, a partir do dia 1 de Dezembro de 2015 a exibição e utilização de animais selvagens nos circos será considerada ofensa à lei. Enquanto que Portugal proíbe a aquisição e “reposição” de animais pelos circos, em Inglaterra, os proprietários têm de, num prazo de dois anos, encontrar um lar para os seus animais. Por cá, ainda haverão animais nos circos nos próximos 10 a 20 anos. Isto porque o Ministério pretendeu proteger o negócio circense de uma mudança brusca.

Ficam, claro, temas inerentes à nova lei ainda por resolver: ter-se-à de proceder agora à castração ou a separação de animais, o que não agrada a todos os proprietários; No caso do circo Cardinali, os camelos ficam inatingíveis pela nova lei e no caso do circo Chen, continuarão a actuar até à sua morte os seus cinco tigres siberianos.

Como outras polémica do género, faz-se emergir os direitos dos animais vs a cultura. No entanto, não deixa de me intrigar o facto de só agora se começar a ver aplicada uma lei que já existe desde 2009.

As pessoas tendem a evitar as mudanças, acreditando que aquilo que sempre viram é que é o “normal”. Incorporam a sua dependência, e a dos filhos, perante o mundo electrónico, mas recusam-se a incorporar novos conceitos como o de respeito pelos direitos animais. É preciso ver que, Portugal, mais que a Inglaterra, por exemplo, está a ser muito brando e a permitir que os ajustes por parte dos circos sejam feitos com bastante tempo. Sempre achei muito mais interessante uma actuação de contorcionistas do que uma actuação de tigres sonolentos e elefantes a andar em círculos.

Em verdade, é inegável que as condições que estes animais têm nos circos são anti-naturais. Um leão não pode ser enjaulado e não me reporto a questões éticas. E repare-se que não estou a pôr em causa o tratamento que os proprietários dão. Apenas quero sublinhar que, na neutralidade que tento ter, é biológica e psiquicamente contra-natura.

Também levou o seu tempo a abolir a escravatura humana e, nessa matéria, Portugal foi pioneiro. Porque não ser um exemplo também agora? Há práticas e gostos que têm de ser encarados como aquilo que são – cultura. E cultura já não é compatível com o aprisionamento de animais selvagens com o objectivo de diversão humana.

O “Cirque du Soleil” é exemplo do sucesso estrondoso que a capacidade artística humana pode ter no âmbito do espectáculo circense. É caro e centralizado? Bem, quantos mais fizerem espectáculos incríveis apenas pelas suas “próprias mãos”, mais acessível ficará para todos uma nova e mais ética abordagem do circo.

Tenho pena de a lei não ter sido criada mencionando directamente o direito dos animais à liberdade e ao respeito pela sua entidade biológica e integridade psicológica e física. Contudo, alegra-me o facto de algo já ter começado finalmente a ser visto.

Artigo de Cláudia Melo