O Fálico Efeito Maquiavélico

Voava eu, pelos frígidos ares de quem detém algo que nunca iria falar, com um destino que, de forma incerta, seria seguro. Pelo menos, no que aos meus dispositivos de direção diz respeito.

Voar. Era a ambição secreta dos meus criadores. Era a minha mais que ambicionada missão. Deslizar sem obstáculos, de forma a sentir a liberdade granjeada pelo vento e as eventuais gotículas de água que se atravessavam, enquanto as minhas ligas conferiam a possibilidade de o fazer imaculada e graciosamente.

Não existia filosofia. Existia um ato. Um ato que engrandecia toda a engenharia que me havia tido por filho geneticamente idêntico ao cérebro dos meus criadores, à simplicidade de toda a ação. No solo, nada mais do que uma fálica peça de metal, no ar… Nada menos do que perfeito.

Mas como em toda a distinta atribulação que me conduziu ao ponto alto da minha existência, após meses de espera num qualquer armazenamento, junto com os meus conterrâneos, foi de constatar um preço. O preço significava nada menos do que a minha destruição. E a do meu alvo. Era de reparar um sentimento bipartido, enquanto descolava. Iria provar a liberdade… Imediatamente antes de embater, explodir, e enrolar em chamas aqueles que teriam o azar de ser atingidos, atribuídos ao meu robótico cérebro mediante um sofisticado sistema de deteção, e uma simplista mente bélica que havia ficado em terra, regozijando-se com a eventual purga daquilo que ele considerava o Mal.

Como é possível que algo destinado à liberdade pudesse odiar tanto a sua capacidade de voar? A verdade é que era impossível ignorar que a única razão do meu lançamento era a tentativa de destruir, apagar, arruinar, demolir, aniquilar, tornando a minha liberdade uma violação da liberdade de outrem, ainda que esse recalcitrante não fosse da minha espécie. Ou sequer da mesma componente química.

Senti os meus sensores desviando-se, alinhando-me com o meu alvo. Era um avião. Era grande. Em menos de 5 segundos tudo estaria terminado: o calor dos motores era demasiado para atraente para eu resistir… O embate foi o suficiente para cortar as asas, a explosão imbuiu o combustível em chamas, que posteriormente granjeou os meus lançadores com o sucesso que esperavam: fogo-de-artifício, mais comummente conhecido como “o assassínio de 298 pessoas”.

E a minha consciência abandonou o meu metálico corpo. Assim como dos sacos de carne que se dirigiam para o solo a mais de 600 km/h.

Poucos minutos depois, num território lendário pela sua história, mediante chamadas telefónicas:

“Ministério da Defesa: responsável dos assuntos Secretos com uma mensagem para o Presidente, pode passar?

Telefonista: Com certeza.

… *Espera*

Presidente: Diga.

M.D.: Abatemos um alvo…

Presidente: … e?

M.D.: Era civil, mais de 200 baixas.

Presidente: O que espera que faça? Resolva. Os nossos planos mantém-se.”

Desligou

O Presidente recosta-se na sua cadeira, acende o seu charuto de eleição e, durante 5 minutos, recorda com saudade, os tempos de simplicidade dos anos 70 e 80. A incompetência rodeava-o, todos tinham demasiado medo de fazer o que era necessário para devolver o País, a Nação ao seu grande desígnio. Mas isso… Iria mudar. Graças a ele. Há coisas que justificam os meios.

Enquanto isso, algures nas Falkland, uma criança argentina soltava uma borboleta: o seu bater de asas nada tinha que ver com os desastres do outro lado do Mundo.