O Governo e a Constituição

Sabemos que ao Mundo pouco interessa o que em Portugal se passa, quando vemos que se comenta mais os chumbos que os diferentes diplomas orçamentais apresentados pelo Governo vão tendo, do que o facto inédito – friso, inédito – de um executivo que tem enormes (para não dizer absolutas) dificuldades em fazer um Orçamento de Estado conforme à Lei fundamental do país, a Constituição da Republica Portuguesa. Repare-se que já não há a preocupação de recorrer à enorme quantidade de assessores e especialistas – alguns contratados de uma forma, no mínimo, caricata –  que auxiliam o executivo, para tentar encontrar uma solução que respeite a Constituição. O Vice-Primeiro-Ministro enuncia a proposta e depois diz algo do género “oxalá que seja constitucional”. Quase da mesma forma que o comum dos portugueses joga no Euromilhões e no Totoloto e pensa “vamos lá a ver se me sai alguma coisa”. Convém aqui desmistificar alguns “quase-mitos”: 1) Os juízes do Tribunal Constitucional são, segundo a própria Constituição e na sua maioria (10 em 13), designados pela Assembleia da República (AR). PSD e PS têm designado 5 cada, com o acordo de ambos. Cai por terra os comentários da população em geral da falta de legitimidade dos mesmos. Bem como, a argumentação do Primeiro Ministro (a quem Constança Cunha e Sá disse, na TVI, não poder continuar a comportar-se como um arruaceiro), sobre a escolha dos mesmos. Eles são escolhidos pela AR, onde estão os representantes do povo; 2) Cabe ao Tribunal Constitucional “apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade” dos diplomas a ele apresentados. Não cabe ao TC legislar em matéria constitucional. Isso é reserva exclusiva da Assembleia da República e requer a aprovação por 2/3 dos deputados em efectividade de funções, por ser matéria tão crucial e delicada. Portanto, se o legislador consagrou na Constituição os princípios fundamentais como o da proporcionalidade, igualdade, etc, da forma como eles constam na Lei fundamental – nem estou a ver de que outra forma poderiam ter sido escritos -, sujeitando os juízes do TC (e todos, em geral) a um maior trabalho ou, pelo menos, mais exigente, na interpretação e aplicação dos mesmos, não cabe ao TC vir substituir o legislador – nem seria legal – e restringir o âmbito dos princípios. Diz a Constituição, no artigo 120.º que o “Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas. ” Neste momento, temos um poder executivo – o Governo, pela voz do Primeiro Ministro – a questionar a autoridade e eficiência do poder jurídico-constitucional. E isto acontece depois do Governo ter por várias vezes (pelo que li, foram 8, mas não confirmei) recebido chumbo do TC por inconstitucionalidade de normas orçamentais. E o que faz o Presidente da Republica? Não só recusa usar a fiscalização preventiva (os chumbos foram quase sempre após os partidos políticos e até o Provedor de Justiça ter suscitado a fiscalização preventiva), como se limita a dizer que não cede a pressões. Pressionado ou não, não me parece que esta “salganhada” ou “arruada”, como lhe chamou Constança Cunha e Sá, de um Executivo que viola sistematicamente a Lei fundamental e ainda ousa questionar o TC, se possa apelidar de “unidade do Estado” ou “regular funcionamento das instituições democráticas”

 

Crónica de João Cerveira Diz que…