O Menino que não gostava da sua avó – Conto de Natal

Antes de mais desejo a todos um Santo Natal! Espero que esta época festiva seja recheada de amor, carinho, união, gastronomia natalícia quanto baste e, obviamente, alguns presentes. Ora mais uma vez cá estamos nós no dia mais louco do ano no Mais Opinião, não é verdade? Este é o dia onde os cronistas se unem para lhe oferecer uma crónica extra, ou seja, uma crónica totalmente dedicada ao Natal. E este ano trago-vos algo diferente. É um conto de natal. Conto este que foi escrito para o concurso literário do Centro Social e Paroquial do Carregado e que agora partilho convosco. E como devem pressentir pelo título…não é um conto tradicional! Necessito apenas de fazer uma breve advertência: os nomes e factos presentes neste conto não são baseados na minha vida pessoal ou na vida dos meus amigos e familiares. É tudo resultado da minha imaginação, nada mais.

Faltavam cinco minutos para as quatro da tarde. Assim que a campainha se fizesse ouvir iriam arrumar tudo na mochila e correriam em direcção à liberdade. Todos menos o Miguel. Ele não queria que a escola acabasse. Quando isso acontecesse estaria de férias. E isso era bom. A parte má era o facto de o primeiro mês ser, todo ele, passado com a avó materna na sua terra natal.

Nem sequer teve tempo para sentir o doce sabor da liberdade. Assim que chegou a casa o pai mandou-o preparar a mala. Dirigiu-se para o seu quarto, pegou na mala de viagem e começou a seleccionar tudo o que queria levar consigo. Um caderno novinho em folha e diversos lápis e canetas para poder saciar a sua paixão pelo desenho, o MP3 para ouvir a música que tanto gosta, a consola portátil, e todos os jogos, e a velha harmónica que outrora pertencera ao avô materno.

O pai irrompe pelo quarto adentro. Vem a falar ao telemóvel e parece apressado.

– Então, já tens tudo arrumado?

Miguel acenou levemente a cabeça em tom afirmativo.

Poucos minutos depois já se encontravam ambos na rua, a carregar tudo para o carro. Próximo destino? Minho!

Quanto mais próximo do destino estavam mais triste se sentia o Miguel. Não queria acreditar que iria passar um mês inteiro numa pequena vila, sem televisão por cabo e quase sem acesso à internet. E ainda por cima teria de conviver com a avó Matilde.

Nunca conseguiu explicar o porquê, mas sempre sentiu que ela não gostava dele. E ele não se importava nadinha com isso, afinal de contas ele também não nutria qualquer simpatia por ela.

Chegados ao destino, e feitos os cumprimentos da praxe, foi tempo de descarregar as malas. O pai despediu-se e apressou-se a ir para o carro. Tinha que regressar a Lisboa o quanto antes. Quando estava pronto a arrancar, os seus olhos encontraram-se com os do filho. Reparou que este chorava compulsivamente.

Por mais pressa que tivesse recusava-se a ir embora estando o filho naquele estado. Saiu do carro e foi até ele. Primeiro ficou em silêncio, depois emocionou-se. Sentiu umas lágrimas a caírem-lhe pela face, mas tentou disfarçar.

– O que se passa meu querido? – perguntou-lhe o pai sabendo de antemão qual seria a resposta.

– Leva-me contigo papá. Não quero ficar aqui. – disse o Miguel lavado em lágrimas.

– Sabes que não pode ser. Eu sei que tu e a tua avó não se dão muito bem, mas isso vai mudar este ano. Vais ver que vais gostar de cá estar! – ele próprio não estava convencido do que tinha acabado de dizer, mas não podia afirmar o contrário.

Passou a mão no rosto do filho. Limpou-lhe as lágrimas e deu-lhe um beijo carinhoso na testa. Tinha que ir embora. Custava-lhe deixar o filho a chorar, mas fazia questão que passasse parte do verão com a avó materna. Era a única avó que tinha e devia de passar algum tempo com ela.

Resignado com o seu destino, Miguel correu para o seu quarto, fechou a porta com estrondo e deitou-se na cama. Sentia-se revoltado, não achava justo que a única avó que tinha não gostasse dele. Mas o que fez ele para que a avó o tratasse tão mal? Não sabia. E isso irritava-o profundamente! Tinha que desfazer as dúvidas. Iria confrontar a avó imediatamente!

Encheu-se de coragem, foi até à sala, sentou-se em frente à avó e, do alto dos seus catorze anos, disse:

– Temos de conversar! – o tom era grave e a cara, mais séria do que nunca.

– Ai temos? Não sabia. O que aconteceu? – disse a avó de forma fria e directa.

– Porque é que não gostas de mim? E não vale a pena negares porque eu sei muito bem que é verdade!

– Quem é que te disse isso? Foi o teu pai não foi? – indignou-se a avó.

– Não, ele não me disse nada. Eu é que sinto que tu não gostas de mim. O que é que eu te fiz para me tratares de forma tão fria e distante?

– Não é boa ideia termos esta conversa….- retorquiu a avó tentando acalmar-se.

– É sim. Quero esclarecer isto de uma vez por todas avó. Porque é que não gostas do teu único neto? Vá, diz-me porquê! – sabia que estava a falar alto demais, mas deixou-se levar pelas emoções.

Primeiro recebeu o silêncio como resposta. Depois, do nada, a avó disse:

– Como posso eu gostar da criança que matou a minha filha? Sim, porque graças a ti perdi a minha filha! – sabia que não devia de ter dito aquilo mas não se conseguiu conter.

Miguel sempre soube que a sua mãe morrera durante o parto, mas ouvir a sua avó dizê-lo daquela forma foi muito mais duro do que alguma vez tinha imaginado. Começa a chorar e, por entre as lágrimas, diz:

– E que culpa tenho eu avó? Podem existir muitos culpados mas eu não sou um deles. Aliás, devias era de fazer exactamente o contrário! – sentiu-se mais leve ao dizer aquilo, era como se tivesse dito algo que estava preso à muito tempo.

– Eu sei que não tens a culpa, és apenas uma criança. Mas não consigo olhar para ti sem sentir um grande aperto no coração…. – Matilde não sabia porquê mas sentia-se aliviada por estarem a ter aquela conversa.

Seguiram-se vários minutos de um silêncio ensurdecedor. Nenhum dos dois sabia o que dizer, ou como reagir. Estavam mais aliviados por terem desabafado sobre aquele assunto, tabu para a família, mas por dentro estavam completamente em pânico. Respiraram fundo, olharam olhos nos olhos e Matilde afirmou:

– Devo-te um pedido de desculpas. Só agora é que me coloquei no teu lugar e percebi o quão difícil deve ter sido para ti conviver comigo todos estes anos. Acho que nunca me tinha apercebido que se eu perdi a minha filha tu perdeste a tua mãe. E eu fiz exactamente o oposto daquilo que tu precisavas de mim. Desculpa meu querido neto. És capaz de me perdoar?

Miguel esticou a mão na direcção da avó. Deram as mãos e Miguel fez questão de dar um beijo nas mãos rugosas e marcadas pelo passar dos anos e pelo intensivo trabalho no campo.

– Claro que perdoo avó. A vida é demasiado curta para guardarmos rancores e maus humores seja de quem for. Na realidade apenas precisávamos de uma conversa honesta, franca e directa. Desculpa ter forçado esta conversa mas não aguentaria viver na mesma casa do que tu sem esclarecer este assunto. Mas o que passou já está esquecido. O importante agora é focarmos o nosso olhar no futuro e compensarmos os anos perdidos.

Fez-se silêncio. Matilde começou a chorar. Passados alguns segundos acenou afirmativamente para o neto. Estava preparada para seguir em frente. Deram novamente as mãos e trocaram um olhar fraterno, o primeiro de sempre. E assim um dia cinzento transformou-se no primeiro dia do resto das suas vidas.
Boa semana.
Boas leituras.
E um….FELIZ NATAL!