A odisseia do Game Boy Color

Esta semana proponho que façamos uma viagem ao passado a fim de recordarmos uma das maiores invenções de sempre. Obviamente que se antes de começarem a ler esta crónica leram o título da mesma já perceberam do que vos falo. O Game Boy Color é uma daquelas invenções que durou o tempo suficiente para apenas uma geração se poder “ligar” a ela. Claro que, como em tudo na vida, há excepções e muitos bons adultos ficaram viciados na pequena consola portátil, mas a esmagadora maioria daqueles que nos idos anos 90 perderam horas de sono à conta dela foram crianças e/ou adolescentes. Serve esta crónica para vos contar não só a minha experiência enquanto petiz que recebeu de presente num verão dos anos 90 um Game Boy Color, como também um episódio recente, aquando da (re)descoberta do mesmo, perdido entre as centenas de bugigangas do meu quarto.

Quando naquele verão, algures perdido nos anos 90, os meus pais decidiram que um Game Boy Color era o presente indicado para o seu pequeno, e adorado, filho tomaram, por ventura, uma das suas melhores decisões de sempre. Lembro-me perfeitamente do momento em que recebi a pequena consola: primeiro fiquei super contente e gritei de histeria; depois parei e pensei “mas estou histérico de alegria porquê se eu nem sequer sei o que é isto?”; quando depois de uma curta explicação gentilmente dada pelos meus progenitores fiquei, finalmente, a perceber o que era afinal aquilo aí fiquei um misto de histérico e incrédulo. “O quê, mas isto não só é uma consola como ainda por cima é portátil? Isto é um sonho não é?”

Sim, porque naquela altura não havia computadores como os de hoje. A internet não passava de uma miragem e os telemóveis estavam a anos-luz dos smartphones. Tendo isto em conta vocês podem tentar imaginar a felicidade que foi eu perceber que poderia transportar a minha pequena consola verde para qualquer parte da casa, e até mesmo para a rua! Foram dias fantásticos, recheados de momentos a ganhar e a perder, como em todos os jogos.

Eu e o meu pequeno “amigo” verde tornámo-nos inseparáveis por muito, mas mesmo muito muito tempo. Ele andava sempre comigo. Ele e os jogos. Aliás, ele, os jogos e um par de pilhas extra, não fossem as malvadas acabar na pior altura possível! Nunca tive muitos jogos, apenas uns três ou quatro. Os que tinha chegavam-me. Resumindo e concluindo: o Game Boy Color verde marcou uma parte considerável da minha infância e pré-adolescência e como tal tem um cantinho muito especial no meu coração.

Obviamente que com o passar dos anos e o avançar da idade a mentalidade evoluiu. Os interesses mudaram um pouco e a partir de uma certa altura deixei de jogar na velha consola portátil verde. De figura central do meu dia-a-dia passou a elemento dispensável no fundo de uma gaveta. Os anos passaram e muitos anos (e duas mudanças de casa) depois a consola voltou a dar sinais de vida. Nunca mais a utilizei mas não a deitei fora. Aquele pedaço de tecnologia simboliza uma parte considerável da minha infância!

Muito recentemente procedi a umas, mais do que necessárias, arrumações no meu quarto. E entre tudo o que desarrumei apenas para voltar a arrumar segundos depois encontrei o dito Game Boy Color. Os meus olhos humedeceram. O meu coração palpitou de prazer. As mãos tremeram e as pernas praticamente me obrigaram a sentar-me, tamanha foi a emoção. Depois de uns bons momentos de contemplação recheados de memórias dos velhos tempos de petiz voltei a guardar a consola no mesmo lugar de onde a retirara. Continuei a arrumação, mas a (re)descoberta da consola não me saiu da mente.

Assim que acabei todas as tarefas que tinha pendentes decidi que iria dar de novo uso à velha consola verde. Voltei à gaveta onde o tinha encontrado e por momentos limitei-me a observá-lo. Tentei ligá-lo mas nada aconteceu. Ao abrir a parte de trás, onde se encontram as pilhas, deparei-me com a primeira contrariedade: alguma alma iluminada (entenda-se…eu) achou que não faria mal o Game Boy permanecer com as mesmas pilhas desde meados dos anos 90. Conclusão? Pilhas descarregadas e praticamente “coladas” à consola. Foi como se as pilhas se tivessem fundido com a consola.

Alguns minutos (e uma cuidada sessão de limpeza) depois já a consola estava limpa e pronta a receber um novo par de pilhas. Foi aí que surgiu a segunda contrariedade: praticamente não tenho pilhas em casa, logo encontrar um par de pilhas revelou-se uma missão verdadeiramente hercúlea! Encontradas as pilhas e ligado o Game Boy eu sentia-me preparado para um longo serão de prazer a apelos à infância. Mal sabia eu o quão enganado eu estava. Passados apenas alguns minutos de jogo percebi várias coisas.

Primeiro: afinal os jogos não eram assim tão entusiasmantes. Aliás, até eram bem secantes. O ritmo lento a que o jogo se desenrolava tinha como consequência directa a constatação de que passar um nível demorava uma eternidade!

Segundo: as músicas que anteriormente me pareciam frenéticas, alegres e verdadeiras obras-primas não passavam afinal de composições lentas, tristes e completamente banais.

Terceiro: se enquanto petiz era capaz de passar horas incontáveis a jogar Game Boy sem ter o mínimo sinal de dores o mesmo não podia dizer agora, com 23 anos. Tinham passado apenas um par de minutos quando os meus dedos deram os primeiros sinais de dor. Daí em diante foi sofrimento puro até chegar ao ponto de ter cãibras nos dedos! E acreditem que nunca pensei viver tempo suficiente para proferir esta frase!

Feitas as contas o balanço não foi assim tão positivo. Se por um lado foi bom reencontrar o meu bom, e velho, Game Boy verde pelas memórias e recordações que me trouxe, por outro foi penoso constatar que já não sou uma criança, mas sim um adulto. Serviu este reencontro para trazer aos meus dedos dores que considerava inexistentes, mas também para me fazer perceber o quão adulto eu sou. E foi aí que percebi que me tornei num homem que encheria de orgulho o meu “eu” em criança. E apesar de estar a massajar os meus dedos mantive um sorriso no rosto. E assim continuei durante alguns minutos.

Por fim desloquei-me à gaveta e voltei a guardar o pequeno, e velho, Game Boy. Pode ser que daqui a uns anos o volte a reencontrar e que ele, apesar da idade avançada, e sem nada dizer, me dê mais uma valiosa lição.

Boa semana.
Boas leituras.

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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