Contra os Refugiados….Marchar, Marchar?!

Se há palavra que veio para ficar ela é, com toda a certeza, “refugiados”. Sim, porque se até aqui apenas a usávamos de ano a ano agora a actualidade internacional força-nos a utilizá-la diariamente. Em casa, no trabalho ou num qualquer café do Portugal profundo é certinho que por entre as tradicionais discussões sobre futebol e telenovelas estará também o tema “refugiados”. Exacto, adivinhou: o “Desnecessariamente Complicado” desta semana vai debruçar-se sobre…o drama dos refugiados.

Estranhos tempos estes onde ler um jornal em papel é considerado antiquado, onde ter uma opinião fundamentada caiu em desuso e onde especular e semear o caos têm prioridade em detrimento de investigar e esclarecer. E se na política nacional a sucessão de polémicas faz com que nos esqueçamos do que aconteceu há apenas três meses, a nível internacional o mesmo não acontece. Mas passemos a exemplos concretos.

A noite da mais recente Passagem de Ano ficará marcada para sempre na memória de 454 mulheres residentes em Colónia, em plena Alemanha. Porquê? Porque foi nessa mesma noite que todas elas foram alvo de agressões sexuais! Mas calma, infelizmente, há mais: na mesma noite outras 600 pessoas foram violentamente assaltadas. Ora perante estes chocantes dados a imprensa apressou-se a encontrar culpados. O denominador comum era um e só um: refugiados. Bastaram algumas horas para aparecerem teorias de como tudo teria sido organizado através das redes sociais!

Perante isto a humanidade reagiu de três formas possíveis. A histérica (gritando alto e bom som, “EU SABIA QUE ISTO DOS REFUGIADOS IA CORRER MAL! EU NÃO DISSE QUE OS REFUGIADOS VINHAM PARA CÁ COMETER CRIMES?”), a sensata (“Hum, isto cheira-me a esturro. Só darei a minha opinião quando todos os factos estiverem apurados e quando terminar a investigação da polícia alemã!”) e, por fim, temos todos os que ficaram indiferentes a este drama, como se este fosse um problema dos “outros” e nunca deles.

Passado pouco mais de um mês destes acontecimentos a polícia deu por terminadas as investigações. E quais foram as conclusões? “O inquérito concluiu que os autores das agressões sofridas por mulheres foram sobretudo argelinos e marroquinos a viverem na Alemanha há vários anos e não refugiados acabados de chegar ao país.” Mas calma, ainda há mais: “Dos 58 suspeitos, dois são iraquianos e um é sírio. Os restantes 55 são sobretudo argelinos e marroquinos, havendo também três alemães, revelou o procurador de Colónia ao jornal Die Welt.”

Portanto, resumindo: não só não eram refugiados como ainda por cima alguns deles eram alemães! E agora, o que dirão os arautos da desgraça? Os donos da verdade que pugnavam pela expulsão da Alemanha dos refugiados vão pedir que castigo para estes alemães? Os extremistas que pediram a morte em praça pública de dezenas de refugiados vão pedir o mesmo para os dois iraquianos e para o sírio referidos acima? Pois, obviamente que não. Existe, portanto, um tratamento diferenciado entre os refugiados e os restantes cidadãos. E este tratamento é tão diferenciado que até acontece entre refugiados e migrantes de outras zonas do globo!

E agora que sabemos que nada disto está relacionado com aquelas pobres almas (que tanto se esforçaram para fugir da guerra e da miséria) podemos especular um pouco: até que ponto não foram estes crimes orquestrados para colocar as culpas nos refugiados? Porque razão a imprensa internacional se apressou a culpar os refugiados quando, na verdade, os crimes podiam ter sido obra de qualquer pessoa? Quem ganhou com o facto dos refugiados aparecerem imediatamente como culpados? Talvez esteja a exagerar, mas que as perguntas são válidas, isso são!

Mas este esforço de parte da sociedade e da imprensa em denegrir a imagem dos refugiados já tinha acontecido antes. Recordam-se dos atentados de Paris? Claro que se recordam (diria até que mesmo que os quisessem esquecer não seriam capazes). E do falso passaporte encontrado perto do corpo de um dos terroristas, também se lembram? Ah pois é, aqui o je não se esquece! Nesses dias, como nos que se seguiram à Passagem de Ano, dividiram-se as opiniões e multiplicaram-se os medos.

Eu fui daqueles que disse imediatamente: “Então mas ele vai explodir-se e leva o passaporte? Que sentido é que isso faz? Ele sabia que ou ia ser apanhado ou ia explodir-se, por isso não era para fugir a seguir de certeza! Isto é demasiado estranho para ser verdade….”. E, espantem-se, não é que alguns dias depois se veio a provar que eu (e mais uns quantos milhares de pessoas) tinha razão?

Acontece com os refugiados o mesmo que com o futebol ou a política nacional. Quem está contra a situação quer ter razão à força: ou seja, se não a tem pinta o cenário que mais lhe convém…mesmo que não seja 100% verdadeiro. “Epah, este Orçamento de Estado não agrada mesmo nada à União Europeia….isto vai dar buraco! Para mim era mandar este Governo abaixo….” e o que acontece alguns dias depois? O Orçamento de Estado é aprovado tranquilamente, apenas com algumas rectificações, pela União Europeia. “O Benfica perdeu os cinco jogos contra Sporting e Porto esta época! Para os lados da Luz aqui está mesmo mal, que miséria de época que estão eles a fazer!”. Pois é, uma época tão má que está em 2º no Campeonato (a apenas 3 pontos do 1º), tem o Melhor Marcador, o Melhor Ataque e uma das Melhores Defesas da Liga, está em vias de chegar á Final da Taça da Liga e é o único clube lusitano na Liga dos Campeões. E esta é uma época má, agora imaginem se fosse uma época boa!

Com os refugiados é igual: “Temos de ter cuidado com esta gente, vão roubar os nossos empregos, ocupar as nossas casas, obrigar-nos aos seus costumes, hábitos, tradições e religião! Eles vão cometer crimes, atrás de crimes, atrás de crimes porque são todos uns vândalos sem coração!”. E o que revelam ser os refugiados? Pessoas simples e humildes, que têm noção das suas dificuldades e problemas, que querem apenas paz para viver e para criar os seus filhos. Será que isto é pedir muito? Porque razão não merecem estas pessoas viver em paz? Porque razão não merecem aquelas crianças ter uma educação decente? Porque razão não merecem estas pessoas ter um acompanhamento médico digno?

Para muito boa gente tudo o que os refugiados digam ou façam está errado. “Querem uma casa? Está mal! Eu paguei para ter a minha, porque é que eles têm direito a uma e eu não? Estão a receber subsídios da União Europeia? Está mal! Eu não recebo nada de Bruxelas por isso eles também não deviam de receber! O quê? Querem ter um emprego? Isso é que era bom! Os empregos são para os portugueses, não para refugiados!”. No fundo é como os pontas-de-lanças: se não marcam golos deviam de os marcar, se os marcam não fizeram mais do que a sua obrigação. Ou seja, nunca chegam a merecer elogios.

Claro que cada caso é um caso. Claro que entre os largos milhares de pessoas que atravessaram milhares de quilómetros para chegar à Europa haverá más pessoas, criminosos, preguiçosos e extremistas. Mas isso também há em Portugal, em Espanha, em França, e em todos os restantes países europeus. Boas e más pessoas existem em todo o lado, faz parte da condição humana! Eu aceito e compreendo tudo isto. O que eu não aceito é a urgência de colocar todos no mesmo saco, culpando todos pelos defeitos de alguns.

Porque se algumas daquelas pessoas serão más outras serão certamente boas (a discussão em torno do que são “pessoas boas” e do que são “pessoas más” é demasiado longa para que a tenhamos neste momento, por isso prossigamos). Porque razão tantas vezes vemos a imprensa alertar para os refugiados potencialmente criminosos e o mesmo não acontece para os refugiados inteligentes ou repletos de talento? Por muito poucos que sejam têm de existir, certo? Então porque não falamos neles? Exacto: porque não interessa. O objectivo é um e só um: espalhar o medo. E sejamos sinceros: “espalhar o medo” não combina com “e se eles forem inteligentes e mais-valias para Portugal?”. E se por entre as crianças refugiadas que chegaram a Portugal não está o novo Cristiano Ronaldo, a nova Joana Vasconcelos ou o novo José Saramago? E se em vez de os estimularmos e aproveitarmos em proveito das comunidades, do país e do mundo os estamos a condenar ao fracasso por estereótipos tolos e preconceitos do século passado?

O mínimo dos mínimos é haver respeito por estes homens, por estas mulheres e por estas crianças. Porque todos aqueles que arriscam a sua vida para poder viver em paz merecem a nossa compaixão. Mas numa época marcada pela crise financeira, e pela crise de valores, todos procuram culpados (e nesse campeonato os refugiados são um alvo fácil). Não será, por isso, surpreendente que muitos portugueses prefiram, por estes dias cantar “Contra os refugiados, marchar, marchar!”.

Boa semana.
Boas leituras.