Panorama – Ténis Político

 

Está neste momento a decorrer o Open de Ténis da Austrália, em Melbourne. Numa destas muitas madrugadas sem dormir a ver as transmissões de ténis tive uma epifania.
Um jogo de ténis e a forma como as pessoas o vêem é em tudo parecido com o nosso sistema político. Tal como, no sistema político temos duas grandes divisões ideológicas, comummente designadas por esquerda e direita, no ténis também temos dois campos separados por uma fina rede. Até aqui nada de novo ou complicado, mas eis que as semelhanças não se ficam apenas por aí.

Exactamente como acontece no nosso sistema democrático, a bola viaja por ambos os campos, ora está na esquerda, ora está na direita. Se nos recordarmos também os nossos governos são alternadamente mais à esquerda e depois mais à direita.

Na verdade a bola tem viajado por ambos os campos e muito tem sido feito pelos vários governos, independentemente do lado, mas também é verdade que o sistema político português pouco ou nada mudou. Talvez por isso se explique uma boa parte das típicas abstenções que temos em todos os actos eleitorais.

 

Quem vê um jogo de ténis ao vivo tenta aproximar-se ao máximo da parte central, para que possa ver tudo em pormenor sem perder pitada da acção. Também os políticos procuram busca de votos apelando ao chamado eleitorado central, de tal forma que, há até quem já não distinga bem quem está à esquerda e quem está à direita.

O árbitro é supostamente quem tem mais poder em todo o campo, no entanto, não o chega a usar convenientemente e nos jogos mais recentes há o recurso a um sistema electrónico – Hawk-eye – que permite a verificação de jogadas mais duvidosas, isentando completamente o árbitro da decisão tomada e deixando-a nas mãos deste sistema electrónico, decisão essa que pode ser crucial num determinado jogo.
Em parte, este sistema electrónico faz-me lembrar algumas desculpas dadas pelo actual e anteriores governos para as mais recentes políticas, que considero serem extremamente danosas para os cidadãos, nomeadamente para os trabalhadores. E a desculpa parece ser sempre idêntica: “foi uma norma de Bruxelas”; “é preciso fazer devido à crise”; “a Troika diz que vai ter de ser assim”.
Parece-me cada vez mais que os governos se descartam de tomar decisões, algumas necessárias mas impopulares, outras absurdas e sem nexo para o desenvolvimento do nosso país, mas todas elas acatadas sob o mesmo pretexto deste “sistema electrónico político”.

 

Ao contrário de quem está nos courts a ver os jogos ao vivo e tem de movimentar a cabeça para acompanhar todos os lances, quem vê ténis pela televisão não precisa de fazer qualquer movimento para acompanhar todos os encontros. É uma atitude passiva, imensamente semelhante à da nossa sociedade que apenas se limita a ver as coisas acontecer sem nada dizer ou fazer.

Ver os torneios pela televisão não tem muito que se lhe diga, basta olhar para o ecrã do televisor e, ainda por cima, se pode dar ao luxo de rever algo que perdeu ou analisar com maior detalhe um lance que suscite mais dúvidas. Mas nem mesmo estas ferramentas ajudam a pensar melhor, apenas perpetuam uma preguiça mental de não pensar, apenas deixar as coisas acontecerem e ir vendo tudo à distância pela televisão como se os acontecimentos da actualidade não nos afectassem a todos nós.

Vou continuar a ver o Open de Ténis pela televisão, mas vou pensar por mim próprio e, sempre que não concordar com o que foi dito ou feito, farei valer a minha opinião, nem que seja apenas fazendo um comentário no sítio da organização do torneio ou no da emissora televisiva. Pelo menos, farei algo que não seja somente vegetar em frente do televisor como se não vivesse nesta realidade.

Crónica de Celso Silva
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