A poesia jornalística, faz-me sonhar… – Ricardo Espada

Esta semana começou de uma forma bastante dura. Eusébio partiu. O King, deu de fuga. Para os mais desatentos ou que estiveram em estado de hibernação desde domingo passado, eu não estou a referir-me a mais um emigrante português que se “pisgou” para o estrangeiro, seguindo os sábios conselhos (Pura ironia…) do nosso primeiro-ministro. O Pantera Negra, deixou-nos. Farto da crise que se instalou em Portugal, ou por ver os avançados do Benfica a falhar golos em frente à baliza, os quais, eles os fazia de olhos fechados e com um copo de whisky na mão sem entornar uma pinga, decidiu fazer as malas e ir ter com o Criador. Ao menos, lá em cima, não vê figuras tristes.

Eu acompanhei o velório e o funeral de Eusébio, através dos meios de comunicação. Foi bonito pá, ver o Santana Lopes a ajoelhar-lhe dentro da casa do Glorioso. Sem ironias à parte, foi realmente estético a forma como ele se ajoelhou em frente à urna de Eusébio. Com uma enorme categoria, uma elegância extrema, e uma vontade de reconsideração tardia, depois de já estar ajoelhado – é que estava em directo para todo o país.

Mas, o que eu mais apreciei foi a capacidade poética dos jornalistas que acompanharam tanto o velório, como o funeral do King. Foram proferidas verdadeiras palavras poéticas, que me fizeram sonhar. Não com os golos do grande Eusébio, mas sim, com os absurdos que os jornalistas iam arremessando à medida que iam narrando o que estava a acontecer. As pérolas foram muitas, mas eu vou destacar somente duas, para que o caro leitor não se aborreça e decida ir cortar as unhas dos pés, ao envés de ler o resto do texto.

No momento em que o carro funerário dava a emocionante volta ao relvado do Estádio da Luz, um jornalista profere a seguintes palavras em directo: “Neste momento, chove a potes! É caso para afirmar que, Deus, também está a chorar a morte de Eusébio!” Brilhante, direi. Eu, com a capacidade sonhadora que herdei sabe-se lá de quem, ao ouvir tais palavras, desato a sonhar e a imaginar, de facto, Deus, sentado na sua poltrona a assistir em directo na TVI, à última volta de Eusébio ao relvado do Estádio da Luz. E sim, Deus estava a chorar baba e ranho. Abatido. Desconsolado, e talvez um pouco chateado por estar sentado na poltrona e sofrer de hemorróidas que, segundo dizem, é coisa bastante incomodativa. Mas, Deus, não estava a chorar devido ao desaparecimento do King, mas sim, pelo facto de se ter esquecido de pagar a conta da MEO, e de lhe terem cortado o sinal do cabo. (“Ó Ricardo, olha lá… Deus é omnipresente, e Deus não precisa de televisão para ver o que se passa cá em baixo. Para o fazer, basta-lhe simplesmente olhar…” Perguntam vocês, certo? Mas eu sou assim: sonho demais… Sou uma espécie de Walter Mitty português, mas mais esbelto.)

Depois, mais tarde, nos momentos preliminares do funeral do Pantera Negra, quando as pessoas ainda estavam a entrar (aos magotes!) no cemitério, eis que um outro jornalista se afoita e profere mais algumas palavras poéticas: “Neste momento, milhares de chapéus-de-chuva apressam-se a entrar no cemitério do Lumiar… Certamente, também os chapéus-de-chuva vieram até aqui para se despedir de Eusébio…” Novamente, simplesmente brilhante. E, de repente, a minha mente afasta-se da realidade em si, e começa a viajar para uma outra dimensão onde reina a ficção. E começo a imaginar os chapéus-de-chuva, a falarem entre si! Ali, apressadamente, a tentar entrar no cemitério do Lumiar. E eis que surge o seguinte diálogo entre um chapéu-de-chuva vermelho, e um outro chapéu-de-chuva preto:

Vermelho: Olha aí!

Preto: O que foi?! É comigo?

Vermelho: Não é preciso empurrar, ok?! Há espaço para todos!

Preto: Mas está a chover!

Vermelho: Uau! A sério? Será por isso que estás aqui, a servir de escudo à cabeça desse gajo que está debaixo de ti…?

Preto: Pá, nem me digas nada! Este patife devia era apanhar uma memorável e inesquecível molha!

Vermelho: Porquê?! Assim, já não servias para nada, pá…

Preto: Mas o gajo é um insensível do caraças, pá! Já não posso com ele! Tu acreditas que ele é capaz de chegar a casa, depois de me usar durante o dia todo, e nem é capaz de me sacudir a água de cima? Passo a vida constipado por causa dele! Um insensível!

Vermelho: Eish! A sério?! Porra, que besta! Não há consideração nenhuma por um trabalho de um gajo, pá! O meu é a mesma treta… Ao menos ainda me dá uma ou duas sacudidelas antes de entrar em casa. Mas depois enfia-me dentro de um jarro enorme, escuro e oco, que temos lá em casa, e fico ali horas, por vezes dias… sem falar com ninguém… Levo uma vida triste, pá!

Preto: Mas, deixa estar que estou quase a vingar-me…

Vermelho: Então?! O que vais fazer? Tu vê lá o que vais arranjar, pá…

Preto: Espera… Deixa só vir uma rajada de vento, que aproveito logo para me virar de pernas para o ar, e o gajo fica à chuva! Ah! Ah! Ah!

Vermelho: Ah! Ah! Ah! És terrível!

Preto: Ya… Pois sou, men…

Estou a ficar um velho jarreta e senil, não estou…? Enfim, resta-me dizer simplesmente algo como: “Até Sempre, King! Ficarás para sempre nos nossos corações! E vê se apertas com Deus, que ele anda a ficar demasiado preguiçoso…

Até para a semana, malta catita!


RicardoEspadaLogoCrónica de Ricardo Espada
Graças a Dois
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