Portugal e a arte de mal servir

Acredito, piamente, que devemos de defender ao máximo não só a nossa família e os nossos amigos mas, acima de tudo, o nosso país. Sou, portanto, um defensor acérrimo do nosso país, da nossa cultura, da nossa gastronomia e de tudo o que nos define e diferencia de todos os outros povos. Mas o facto de eu adorar Portugal não implica que seja cego, surdo e mudo face a todos os problemas que existem. Ou seja, adorar o nosso país sim, mas nunca esquecendo que cometemos erros (tal como os outros seres humanos) e que devemos procurar sempre melhorar, crescer e evoluir. E o “Desnecessariamente Complicado” desta semana aborda uma falha, constante, dos portugueses: a arte de mal servir. Sim, porque se por um lado somos conhecidos além-fronteiras pela simpatia, pelo sorriso largo no rosto e pelas recepções calorosas, por outro somos igualmente capazes de ser exactamente o oposto. Este é o relato de uma atribulada ida ao Alentejo.

Antes de relatar a experiência em causa, é necessário fazer uma nota prévia. Nada tenho contra o Alentejo. Este episódio aconteceu em Vendas Novas mas também poderia ter acontecido em Faro, em Viseu ou em Fornos de Algodres. O que está em causa é o episódio e não a localidade. Refiro a localidade como uma mera ilustração, um exemplo. E digo que nada tenho contra o Alentejo porque eu próprio tenho lá raízes. Parte da minha família materna e paterna têm fortes ligações ao Alentejo (alguns familiares meus ainda hoje lá vivem), como tal também eu sou um pouco alentejano. E digo isto com todo o orgulho, atenção! Mas ser alentejano, e gostar do Alentejo, não implica que não critique más atitudes e maus serviços (até porque más pessoas existem em todo o lado).

Ora na semana passada, por circunstâncias que não interessam para a história, eu e o meu pai fomos a Vendas Novas. E, pela hora de almoço, encaminhámo-nos para o estabelecimento onde almoçamos sempre. Mas, para nosso azar, era o dia de folga. Ou seja, em toda uma semana o estabelecimento apenas fecha para folga um dia e nós tínhamos lá ido logo nesse dia. Azar dos azares, portanto. Mas, no fundo, isto já nos aconteceu a todos, não é verdade?

E se isto já lhe aconteceu sabe bem a dificuldade que é escolher um outro local para tomarmos a nossa refeição (e quem diz tomar uma refeição diz comprar calçado, alimentos ou aparelhos electrónicos). Era precisamente esse o dilema que eu e o meu progenitor tínhamos diante de nós.

E, não muito distante do nosso restaurante predilecto, existe um outro (moderno e algo distante daqueles estabelecimentos antigos e poeirentos) que nos pareceu bastante bem. A fome apertava e, como tal, acabámos por escolher precisamente esse local.

Visualmente falando era muito atraente. Basicamente tinha passado no primeiro teste. Sentámo-nos e pedimos dois menus. Ora o menu incluía: uma sopa (excepto Sopa da Pedra, o que é perceptível dado o preço a que está a pedra da calçada nos dias de hoje), duas bifanas e uma bebida. Sendo nós pessoas de muito alimento e estando em Vendas Novas era obrigatória a bela da bifana, certo? Obviamente que sim!

Enquanto esperávamos eu estava munido do meu smartphone e de um jornal desportivo do dia anterior (o que não me incomodou absolutamente nada dado que centrava-se no jogo do meu clube). Já eu tinha lido mais de metade do jornal e postado duas fotografias no Instagram e nem sequer havia sinal da sopa. Olhei, então, em volta e percebi que não era o único a desesperar pela comida: ao meu lado um casal, de uma certa idade, não conseguia disfarçar a raiva pelo tempo a que estavam à espera; na outra ponta da sala um homem bufava para o ar com cara de poucos amigos enquanto olhava para as paredes; uma família de cinco pessoas conversava alegremente e um casal de idosos estava prestes a terminar a sua refeição. Torci o nariz e pensei para com os meus botões: “algo me diz que este almoço vai ser atribulado”. E sabem o pior? Eu tinha razão!

Passada mais de meia hora a canja que tínhamos pedido chegou à mesa. Obviamente que já estávamos quase a cair para o lado de tanta fome! Mas pronto, a sopa já ali estava e isso é que era o mais importante. E agora dizem vocês: “oh, certamente que estás a exagerar! Afinal de contas tinham as entradas para irem matando a fome…”. Pois, qualquer restaurante tem entradas, correcto? Correcto. Contudo aquele onde nós fomos não. Aparentemente não éramos dignos de patés, manteigas, azeitonas ou quaisquer outras entradas. Reparem que eu não falei em entradas chiques e elaboradas, isso era matéria da qual são feitos os sonhos naquele momento.

Bom, a canja foi despachada em três tempos e continuávamos com fome. Ainda bem que pedimos duas bifanas cada um! Mas se esperámos meia hora pela canja quanto tempo íamos nós esperar pelo resto? Pois, essa era a derradeira questão.

A pouco e pouco, muito lentamente, os clientes das restantes mesas começaram a ser servidos. Chegaram sopas, bifanas e bebidas e as pessoas iam ficando um pouco mais bem dispostas e sorridentes. Eu já tinha lido o jornal todo e o meu pai já estava farto de esperar e nem sinal das bifanas.

Foram precisos mais de trinta minutos para as míticas bifanas chegarem até à nossa mesa. Meia hora! Sendo que estes mais trinta minutos têm de ser somados aos trinta minutos que foram necessários para as canjas chegarem até nós. Mais de uma hora havia passado e só agora a fome começava a desaparecer!

Contudo pouco tempo antes das bifanas terem chegado até nós eu olhei para uma outra mesa e apercebi-me de que lá estava uma dose de batatas fritas. E, guloso como sou, não podia perder a oportunidade de saborear aquele manjar dos deuses, não é verdade? E mesmo sabendo o tempo que teria que esperar resolvi arriscar e pedir a dose extra de batatas fritas.

As bifanas chegaram, e foram sendo devoradas aos poucos, e nem sinal das batatas. Abrandámos o ritmo e, bem no final, vimos luz ao fundo do túnel: finalmente a dose extra, que tanto mal nos faz à saúde, havia chegado à mesa. Demorou, mas valeu a pena porque estavam deliciosas! Mas naquela altura, no final da refeição, já haviam passado quase duas horas! Apressámo-nos a pagar e virámos costas o mais depressa possível, pois só queríamos fugir daquele local!

Mas o mais interessante é que apesar do tempo de espera…a comida era muito boa! Ou seja, o que serviço e o atendimento era péssimo mas a comida em si…era óptima! Portanto, este é um caso estranho: seria de pensar que o mais fácil é um bom serviço, eficiente, rápido, simpático e não comida de boa qualidade. Mas foi, efectivamente o caso.

Não sei se o mau atendimento é normal por aquelas bandas ou se apenas tivemos azar. Sei é que tive o pior atendimento de sempre e que nunca mais lá voltarei. Contudo, voltarei muitas vezes a Vendas Novas e ao Alentejo. Amo aquela região do país e tenho plena noção de que um acontecimento isolado não pode servir para conceber uma opinião sobre uma região inteira.

Contudo muitos são os estabelecimentos que fazem questão de mal servir, de mal atender, de não sorrir e responder de forma ríspida aos clientes. Como se nós, que ali estamos a consumir, tivéssemos a culpa de tudo o que de mal aconteceu nas suas vidas e no mundo. Por exemplo: quantas vezes não vimos um comerciante de rua vender uma bugiganga por 6€ a um cidadão estrangeiro quando o seu preço real era menos de metade? O caso é diferente, mas o problema é exactamente o mesmo.

Sim, sou português. Tenho em mim as lágrimas dos bravos navegadores. Tenho em mim as saudades de um casal forçado a separar-se pela crise e pelas dificuldades económicas. Tenho em mim as piadas e os tempos da comédia de mestres como Raúl Solnado e Vasco Santana. Tenho nos pés o toque do Chalana, a velocidade do Matateu, a inteligência do Rui Costa, o instinto matador do Eusébio e a imparável ambição do Cristiano Ronaldo.

Amo o Alentejo tanto quanto amo o Minho e o Algarve. Não discrimino qualquer região do país, todas têm uma beleza própria e inigualável. Mas há algo que nunca serei: cedo, surdo e mudo no meu próprio país! E isso implica saber reconhecer as nossas falhas enquanto povo. E esta arte de mal servir tem de terminar. Temos de, cada vez mais, fazer jus ao rótulo de país solarengo e bem-disposto, de braços abertos para quem nos quiser visitar.

P.S: Como devem imaginar não incluí em momento algum o nome do estabelecimento em causa. O objectivo desta crónica não é achincalhar, ou prejudicar de qualquer forma, este espaço ou as pessoas que nele trabalham, mas sim alertar para esta atitude tão portuguesa quanto desnecessária. Que este caso sirva de exemplo, e de motivo, para sermos cada vez maiores e melhores.

Boa semana.
Boas leituras.