Precisa-se de um momento de Silêncio – 2ª Parte

Durante esta semana que passou, lancei o desafio de observarem com atenção os momentos de silêncio que eram capazes de vivenciar no quotidiano, por oposição a todos aqueles que se faziam notar pelo ruído…

Fiz também o mesmo.

Constatei pois que, não só é árdua a tarefa de encontrar momentos de silêncio, na nossa sociedade, como havia escrito na primeira parte desta crónica, como, pior do que isto, parece ter surgido o “culto do barulho e do ruído”, em que cada vez se fala mais alto, se buzina com maior intensidade, se colocam os volumes dos mais diversos meios tecnológicos ao nosso dispor ainda mais altos…Ouvi ainda, em mais do que uma situação, o som de máquinas a trabalhar nas mais diversas obras!

Pensei que, efectivamente, este país está sistematicamente “em obras”, no sentido literal do termo. Seja devido à proximidade de eleições, seja porque existe uma meta orçamental que se deve atingir para obter pelo menos a mesma verba no ano seguinte (reparem como as Câmaras e Juntas de Freguesia levam a cabo obras – por ex- melhorias no pavimento ou asfalto – sempre por alturas de Outubro a Dezembro – porque vão “fechar as contas” e precisam de obter um valor x para poderem ter esse valor em orçamento para o ano seguinte. É verdade, se forem “poupados” e “sobrar uma verba x”, no ano seguinte têm o seu orçamento um pouco mais “magro”…É o país que temos!), as obras e os ruídos associados às mesmas são uma constante…já para não falar da necessidade permanente de reparações em casas e edifícios que vão sendo cada vez mais velhos, depois do “boom” de construção dos anos 70/80, e como tal justificam mais e mais barulho de máquinas e reparações!

Depois de analisar cuidadosamente todo o tipo de ruídos a que vamos estando sujeitos diariamente, lembrei-me de há muitos anos atrás ter estado numa comunidade ecuménica, algures na zona de fronteira entre França e Suiça, onde uma das opções de retiro espiritual era precisamente o “voto de silêncio” durante pelo menos três dias e três noites, e onde, para além desta opção, existia para todos os presentes naquele local, um bosque designado por “Bosque do Silêncio”.

Neste bosque, era obrigatório entrar e caminhar, permanecendo sempre em silêncio. Ao percorrer o Bosque, encontravam-se clareiras aqui e ali, onde apenas uma lanterna acesa iluminava o local, e convidava a parar e a meditar…Apesar de se tratar de uma comunidade ecuménica, neste Bosque o convite não era o da oração, (para isso havia outros locais adequados e também silenciosos, a que todos os que o quisessem fazer tinham acesso), propriamente, mas sim o da reflexão e o do silêncio.

Naquela altura o silêncio fez-me um sentido pleno, e apesar de ser ainda muito jovem, pude encontrar no silêncio um verdadeiro encontro comigo mesma, e deixar que a paz e a força interior emanassem destes momentos de encontro no silêncio.

Hoje, quando escrevo este artigo, lembro pois cada passo dado neste “Bosque”, as paragens silenciosas nas clareiras, consigo sentir até o frio cortante na pele do rosto, ao amanhecer e ver ao meu redor centenas de pessoas como eu, que, em silêncio, se deslocam pelo Bosque, parando por momentos, tornando a caminhar…centenas de pessoas das mais variadas idades, das mais diversas religiões ou sem nenhuma religião, que comungam e partilham estes passos, este caminho ,no mais profundo silêncio…

Estes passos no silêncio são pois aquilo que na vida do dia a dia se torna tão distante…tão árduo de alcançar…Esta caminhada onde existe lugar à diferença entre as pessoas, à tolerância…onde as pessoas partilham com respeito estes momentos de reflexão…

Penso em como seria interessante haver um “Bosque do Silêncio” no meio de cada grande cidade…um convite à reflexão…

Note-se que aprecio tanto estes momentos de silêncio, quanto aprecio os momentos de alegria partilhada, com música, palmas, crianças a rir alto e a correr, cães a ladrar e a saltar, conversa solta fraterna e partilha!!! Nada, mesmo nada, contra; tudo a favor!

Mas que não se confunda este “barulho” saudável da partilha entre as pessoas e estes momentos necessários à nossa vida, com o constante ruído de fundo que nos dificulta o pensar e o sentir de forma plena…

Este ruído que interfere com a nossa paz interior e com a nossa tranquilidade, e que nem sempre é audível, porque nem sempre é um “ruído” no sentido literal da expressão, mas por vezes é tão somente um “ruído” surdo que interfere com as nossas vivências interiores, e que nos contamina de mensagens por descodificar, que permanecem em surdina dentro das nossas “mentes”.

Este último tipo de ruído, embora não tão “irritante” pode ser assustadoramente perigoso, “manipulador do pensamento e das emoções”…

Temos pois de estar atentos.

Temos de exigir esta pausa, este momento de silêncio, que nos permite ter a liberdade de pensar, sentir, criar, filtrar mensagens, separando “o trigo do joio”, aprofundar o que nos faz sentido e “deitar fora” o que está a mais.

Seguramente, com estes momentos de pausa obrigatórios em cada dia, talvez todos nos tornássemos, a seu tempo, pessoas mais tranquilas e pensantes, crianças e jovens mais serenos e organizados, adultos mais “calmos” e com menor risco de doença, idosos mais seguros e em harmonia.

Talvez sim, ou talvez nem tenha razão, mas peço-vos que pensem nisto…por um momento encontrem dentro de vós e à vossa volta um pouco de paz e de silêncio…e nesse momento talvez vos faça sentido esta minha partilha de hoje…

 Espero encontrar-vos bem na próxima semana!

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Crónica de Lúcia Reixa Silva
De Alpha a Omega