Prós e Contras com o tema “Estado do Citius”

Acreditando eu que o tema era apenas um mote para se falar do estado actual do sistema judicial, gostava que se tivesse falado mais da própria aplicação informática Citius do que da reforma judicial em geral.

A presença do Secretário de Estado da Justiça provou-se, a meu ver, desnecessária. Isto porque ele limitou-se a ler um rol de números sobre o número de secções que existiam de comercio, trabalho, etc, antes e depois do inicio da reforma. E a repetir, vezes sem conta, que contava com todos para a resolução do problema. Às perguntas – algumas bem directas como as da moderadora do debate, Fátima Campos Ferreira – sobre a responsabilidade sobre o estado da aplicação informática de apoio ao sistema judicial, fugiu quase sempre à resposta, dizendo que era o momento de resolver o problema, não de procurar culpados. Quando não fugiu à resposta, disse que tinha a informação que algumas funcionalidades do Citius estavam a funcionar e foi desmentido minutos depois por alguns advogados que, munidos dos seus tablets na plateia, tentaram aceder e não foi possível.
Uma senhora juíza que, com o Secretário de Estado, completava o quadro dos “Prós”,  foi dizer que não é inteiramente verdade que os tribunais estejam parados pois, com a ajuda de magistrados, advogados e funcionários judiciais, tinham sido feitas várias diligências. Acabou por se contradizer, ao apresentar um número de diligências massivamente inferior ao que seria o normal na comarca a que a senhora juíza preside, confirmando que os serviços fazem o que podem para se manter à tona, mas sem aplicação informática é muito, mas muito difícil.

E Eliana Fraga, bastonária da Ordem dos Advogados, na bancada dos “Contra”, explicou porquê. Este governo, na reforma dos códigos de processo, tornou obrigatório a entrega electrónica (via Citius) em muitos tipos de processos, não permitindo a entrega alternativa em papel. E agora, com o bloqueio da aplicação informática, nem acesso têm a entregar ou consultar os processos que têm. Para além disso, os advogados são pagos pelos processos que tratam, pelo que se não puderem trabalhar nos mesmos, também não recebem. Eliana Fraga mostrou ainda fotos de processos armazenados em corredores e em parques de estacionamento de tribunais, alguns ainda em obras, outros sem espaço para os armazenar.

Gostei da intervenção do presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais. Ele disse o que já se sabia e o que o Secretário de Estado teimava em não querer assumir: o Ministério foi várias vezes avisado através de vários relatórios e pelo próprio presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais de que a aplicação informática não estaria preparada a 1 de Setembro para arrancar com a reforma do novo mapa judicial. E mesmo assim decidiu arrancar com ela.

Na minha crónica anterior eu já tinha comentado que, segundo a comunicação social, a equipa de técnicos informáticos que geria o Citius até há pouco tempo atrás demitiu-se por não ter sido ouvida, quando alertou para o mais que evidente bloqueio da mesma e inadequação à nova realidade trazida pela reforma de Paula Teixeira da Cruz, razão essa que terá levado também ao pedido de demissão  do chefe de gabinete da própria ministra.

Não querendo minimizar o papel dos autarcas na defesa dos seus munícipes, acho que falaram muito sobre a reforma num todo, mas não de forma a ser entendida por todos. Referências a forais e foros do tempo da monarquia não melhoram, a meu ver, a compreensão de quem está em casa. Mais concreto e fácil de entender fui um jurista que deu o exemplo do Algarve, em que foi criado o tribunal especializado em comércio em Olhão, fazendo com que um cidadão, por exemplo, de Aljezur, tenha de fazer cerca de 115/120 km para recorrer ao mesmo. Ou a bastonária da Ordem dos Advogados, quando referiu que a especialização dos tribunais é um embuste, pois não basta por uma placa na porta a dizer “tribunal disto ou daquilo” para se tornar especialista, se o magistrados não tiverem formação específica na área.

Na essência, acho que este debate provou a teimosia o Governo de avançar para uma reforma sem a ferramenta essencial para que tudo funcionasse bem estivesse preparada para tal. Reparem que nem estou a falar se a reforma é benéfica ou não, pois isso dava outra crónica. Mas estou a dizer que sabia-se que a ferramenta que os intervenientes do sistema judicial mais usam não estaria preparada, mas decide-se pelo caos e avança-se sem alternativas.
Outra conclusão que tiro deste debate é que não houve a preocupação por parte de todos os intervenientes de abordar os assuntos de forma em que a generalidade das pessoas percebessem em casa. Tramitação, especialização, comarcas, entre outros termos (para não falar de forais), passam ao lado de muita gente se não forem convenientemente explicados.

Crónica de João Cerveira