Receituário antidepressivo

Anda uma pessoa a escrever para ver se anima alguém, quando ouve de repente falar dum caso em que uma pessoa se suicida vítima de depressão.

Assisti a uma entrevista na TV e fiquei a reflectir no tema.

Escrevemos falando mal disto ou bem daquilo, nunca sem uma segunda intenção que é ir de encontro ao gosto do leitor. E quando algum deles, na semana seguinte, volta à leitura duma crónica nossa, percorre-nos o prazer dum reencontro, do reatar de relações com um amigo que nunca tivéramos o gosto de conhecer.

Perspectivamos à nossa maneira a abordagem a temas que suscitam opiniões contrárias, somos polémicos, controversos, gentis, condescendentes, só não condescendemos no uso dum estilo literário que é a marca identitária de cada um. A minha é um S, talvez porque siga contornando os obstáculos à forma de me saber expressar, até dar as frases por concluídas.

O que não podemos é desistir de tentar, para que não vença quem possa afirmar que escrever devia ser uma arte reservada à forma erudita de exprimir o que nos vai na alma.

Por isso, o apelo. Abdicar dum sonho é deitar fora o projecto duma casa que vai a meio. E se tiverem vontade, escrevam, sobretudo se na história couberem personagens com quem na vida real se dariam melhor do que até com a própria esposa ou, durante as próximas férias numa ilha deserta, com a tal melhor amiga da vossa mulher que fica inconsolável quando estão ausentes. E ninguém é melhor do que ninguém. Ninguém se pode gabar de ser mais importante ou mais inteligente do que o outro, nem de ser mais afortunado, a não ser pelo facto de ter casado com uma mulher que não se ofende com piadas de mau gosto.

Encarando os receios, planeiem o vosso futuro e no final desfrutem de ver a casa acabada, o curso terminado, até mesmo uma crónica adaptada a livro ainda que depois de publicado, dele apenas oiçam dizer mal.

Metam mãos à obra e quando interromperem pensando que não são capazes de continuar, inspirem-se no exemplo de que Beethoven era surdo quando compôs a obra mais famosa. Todos somos importantes, e cada um à sua maneira é fundamental para alguém: pais, namorado(a), amigos, colegas de trabalho, não importa.

Se acaso o leitor incorpora um grupo de pessoas carentes de auto-estima, bastar-me-ia para dar por bem empregue este tempo, que sorrisse, nem que fosse por imaginar como seria se o tivesse presenteado com um texto de maior qualidade, uma crónica mais engraçada que servisse também para convencê-lo a ler a da próxima semana, naturalmente curioso por saber se tinha melhorado o meu vocabulário. E já agora que esse sorriso perdurasse, para lá do tempo que o demoraram a ler ou até esquecerem o meu nome, que daqui a um par de dias há-de confundir-se com o de outro (a) cronista que escreve num estilo diametralmente oposto ao meu.

Somos iguais, mas, na medida do possível, sejamos diferentes, marquemos a diferença com os nossos gestos, as nossas atitudes, porque vivendo sabendo respeitar a dissemelhança, faz de nós seres vivos dotados de maior inteligência. Vivamos como se o nosso maior propósito fosse o de dar um propósito à vida de alguém.

Tivesse eu poderes para isso, e decretaria que se animassem os tristes, que se armassem em otimistas os céticos e, no fundo, todos acreditassem que, quando tubo acaba, só restam as pessoas para quem fomos tão importantes, que só lhes importará recordar os momentos em que, desde criança, nos deram a mão, e sempre que caímos nos ajudaram a levantar.

FIM