Tempo para apanhar a folha

“O tempo é teu capital; tens de o saber utilizar. Perder tempo é estragar a vida.”

Franz Kafka

Outono, um dia qualquer de Outubro, solarengo mas ameno, temperatura 9 graus. Um dia como eu gosto, sem chuva mas de gorro e cachecol. Caminhávamos pela rua, íamos às compras, pela rua que já nos conhece os traços andávamos a passos largos, a mãe estava apressada, compras para fazer, casa para limpar, aula à noite para dar. Tinha pensado em darmos uma volta pelas ruas do Porto, comermos uma bola de berlim em São Bento (gulosos) e ainda um café a quatro na Ribeira, talvez passássemos para o lado de lá e fossemos ao parque do cais de Gaia, tu adoravas andar nos golfinhos do parque infantil. Mas hoje não ia ser possível o passeio familiar, a mãe e o pai tinham muitas actividades para fazer. Paraste na rua, pegaste numa folha que estava no chão e perguntaste: Mãe, posso levar esta folha para casa? Não Salvador, respondi eu bruscamente. A mãe vai com as compras na mão, fica para outro dia. Agarrei na tua mão, já stressada, acelerei o passo. Ao regresso a casa passamos na mesma rua, as mesmas folhas no chão, a mesma aragem fria. Paras novamente na rua e apanhas uma folha, semelhante à que apanhaste anteriormente. Mãe, esta folha é para ti! Podíamos fazer um desenho com ela quando chegarmos a casa! Obrigada filho, está bem Salvador. Guardei a folha no bolso do casaco.

À noite, já dormias docemente agarrado ao teu peluche, eu andava nas rotinas do costume, louça, roupas, preparar tudo para o dia seguinte. Fui buscar o casaco e no bolso estava a folha que me ofereceste. Olhei para a folha e as lágrimas começaram a cair, uma folha, uma simples folha, amarrotada, suja e molhada, que me ofereceste com toda a tua paixão e ternura que tens pelas pequenas coisas da tua ainda curta vida. E eu disse-te novamente que não, não há tempo, não há paciência, há mil e uma coisas sem interesse nenhum à frente das tuas vontades. Ontem disse-te que não, a mãe não tinha tempo, hoje disse-te que a mãe não tem tempo e amanhã? Amanhá serás tu a dizer-me: mãe, não tenho tempo. E quando esse momento chegar eu vou desejar com todas as minhas forças voltar aos dias em que me oferecias uma folha do chão, e eu dedicava-te esses pequenos grandes minutos para nós os dois, mas esse dia não volta mais.

“Quanto mais precisas para viver, mais tens de trabalhar e menos tempo tens para ti. O maior dos luxos é o tempo. O tempo é o meu maior património.”

Miguel Esteves Cardoso

Para o meu menino guloso a quem tantas vezes digo não ao nosso tempo. Carpe Diem.